
DANIEL ISRAEL
Quando acaba o primeiro longa feito sobre o imortal Chacrinha, fica até difícil perguntar: “Ué, mas como ele não apareceu falando ‘quem não se comunica, se trumbica’?” De qualquer forma, nada como o bom e velho guerreiro para nos saudar ao som de “Alô, Alô Terezinha”. Abelardo Barbosa, Chacrinha e seus famosos bordões andaram juntos por toda a vida, ainda que nascer e não tê-lo podido ver diante do respeitável público continue sendo um exercício magnífico vinte anos após sua morte.

Um dos documentários lançados este ano pelo também jornalista Nelson Hoineff – o outro é Caro Francis –, este longa-metragem sobre a obra e a vida de Chacrinha mostra de forma cabal que escracho e decadência podem caminhar juntos. Pelo menos, numa tela de cinema, onde arquétipos e estereótipos se desenrolam em série e formam, ao fim de quase uma hora e meia, um dos panoramas mais precisos sobre a irrefreável influência televisiva na cultura popular brasileira.

Ao que tudo indica, a obra de Hoineff elucida para os que ainda não tinham idade para assistir na televisão ao Cassino do Chacrinha, o último programa levado ao ar pelo apresentador, que Abelardo Barbosa trazia a público toda sorte de estripulias e atos impensados, em um país que ainda tinha a censura no encalço, nos estúdios de uma emissora que calava os que gritavam de fora e de dentro. Ainda que o publisher Roberto Marinho tenha imortalizado o seu bordão ao evocar que “ninguém mexe com os meus comunistas”.

Chacrinha não era o homem cordial de que nos fala Sérgio Buarque, espécie de ser humano ingênuo, que, na tese do pai de Chico Buarque, teria sido moldado através dos séculos pelo encontro entre índios, brancos e pretos. Na pior das hipóteses, é bem capaz que Chacrinha tenha sido um porta-voz que levou a sério as palavras deste acadêmico brasileiro e as colocado em prática como o Pai dos Pobres que não foi Getúlio Vargas.

Já que subversivos eram todos aqueles que se opunham ao regime da ditadura militar, Chacrinha foi um que permitiu aos brasileiros gargalhar enquanto se combatia os comunistas em diversos frontes, mas não na Televisão. E isto se explica porque não havia concessão, era quase impossível driblar os censores sem cair em trocadilhos e piadas de potencial calibre, mas que eram rechaçadas porque o público não queria afago. O grande e respeitável público, talvez até hoje, impregnando-me da reflexão sobre a cinebiografia de Chacrinha, não quisesse essa coisa esquemática de redemocratização, toma-lá-dá-cá entre políticos, vaivém de governo. Vai ver é porque o povo tem a faca e o queijo na mão, mas ainda não descobriu que o bacalhau vale ouro.
E é por isso, acima de tudo, que Abelardo Barbosa se imortalizou como Chacrinha, sem precisar passar pelo crivo de qualquer eleição na Academia Brasileira de Letras. Sinceramente, o Brasil de Chacrinha é o que ainda vale a pena ser vivido. Não só o de Chacrinha, mas o da Chacotinha, da Gordurinha, o País que é, sem margem a dúvidas, uma Gracinha.
