Foi lançado na última semana o último trabalho de Caetano Veloso. Intitulado Zii et Zie, em substituição ao pré-título Transambas (palavra que não foi retirada da capa, como vocês podem ver abaixo), o álbum inova recordando raízes.

Carioca do primeiro ao último verso, o álbum carrega parte do Rio de Janeiro até no título (Tios e Tias, em italiano). Conforme foi explicado pelo próprio Caetano em entrevista recente, “todos nós acabamos nos tornando apenas tios e tias diante dos malabaristas de sinal”. A imagem da capa mostra a praia do Leblon, bairro nobre lembrado na faixa 7 (“Falso Leblon”), em um dia nublado. Todo o CD foi concebido durante a temporada de shows Obra Em Progresso, apresentada em 2008, e foi gravado com a banda Cê (Pedro Sá, guitarra, Marcelo Callado, bateria, e Ricardo Dias Gomes, baixo).
Já na primeira música, “Perdeu”, Caetano começa a despejar suas críticas, ao ritmo de um samba leve. Os versos quase formam um poema concreto que narra a vida conturbada de um bandido, do nascimento à morte, e nem sempre através de metáforas. A sonoridade continua calma em “Sem Cais”, “Por Quem?” e “Lobão Tem Razão”, a segunda com arranjos e vocais que lembram bastante “Minhas Lágrimas”, do álbum anterior (“Cê”, de 2006). Em seguida, chega a excelente “A Cor Amarela”, um samba mais acelerado feito em exaltação à beleza das mulatas cariocas.

Caetano Veloso e seus companheiros da banda Cê.
Em “Base de Guantánamo” os elementos do rock, presentes em todas as canções, começam a ficar mais evidentes, reaproximando Caetano de sua sonoridade e temática originais, na Tropicália. “Falso Leblon” soa como uma reclamação acerca da hipocrisia da alta sociedade carioca, ao criticar o uso de drogas e a supervalorização da fama, apesar de encerrar com a declaração “odeio a vã cocaína mas amo a menina” sem nos dizer quem é essa menina. Já “Incompatibilidade de Gênios” (única canção que não é de sua autoria – foi escrita por Aldir Blanc e João Bosco – estará também no novo álbum de João Bosco) canta uma divertida súplica de um marido desesperado pelo divórcio, e é seguida pela ambígua “Tarado Ni Você”. A décima faixa, “Menina da Ria” acelera levemente a batida quase constante de Zii et Zie, e me fez lembrar da Orquestra Imperial (da qual Pedro Sá é membro), embora eu não saiba explicar muito bem o motivo da lembrança. “Ingenuidade” é um belo exemplo de samba que vai entrar para as rodas assim que ficar conhecido, é possível imaginarmos seus versos sendo cantados por Beth Carvalho e companhia. Com “Lapa” ele mais uma vez faz uma homenagem nostálgica ao Rio, citando inclusive elementos que compõem a noite da área.

O disco é encerrado com “Diferentemente”, uma das melhores, que começa citando “X-Static Progress”, da Madonna, e se desenvolve divagando por assuntos desconexos e acaba com uma afirmação que quase foi vetada pelo próprio autor: “eu não acredito em Deus”. Ele decidiu manter os versos a pedido de seus filhos, que são religiosos. A possível polêmica, no entanto, pode claramente ser entendida como uma ironia em relação às atitudes tomadas em nome de Deus, se tivermos os ‘dois versos antecessores: “e no entanto, diferentemente de Osama e Condoleezza, eu não acredito em Deus”.

Zii et Zie é, pelo conjunto da obra, mais um bom trabalho de Caetano Veloso, no entanto não vai fazer com que as pessoas mudem de opinião sobre ele (não que ele queira isso). Se você é um fã, vai continuar sendo; se não é, dificilmente vai passar a ser. É um disco que merece ser escutado com atenção, pois tem um recado pra dar, mas o preço médio (R$ 36,90) talvez ainda esteja um pouco alto. Mas sobre o que é o álbum mesmo? Se nem Caetano Veloso, um artista sempre plural, não conseguiu se decidir entre “transambas” e “transrocks”, não sou eu que vou rotular esse estilo. Apesar de ter vontade de chamá-lo “neotropicalismo”.