A linguagem afiada de José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, está de volta em mais uma irônica releitura bíblica. Se em 1991 ele causou polêmica com “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, no qual recriava o Novo Testamento, em “Caim” seu alvo é a criação do mundo e a relação de deus (assim mesmo, sem maiúscula) com os primeiros humanos. Aos 87 anos e depois de mais de 30 obras publicadas, o escritor lusitano nos mostra que não está nem um pouco cansado. Pelo contrário: sua narrativa está cada vez mais afiada.

A história tem início com a provisão divina da fala a adão e eva (sim, os nomes são em minúsculas), ainda habitantes do éden, e se desenrola principalmente a partir do assassinato de abel por seu irmão, o caim do título. Ao longo das viagens do rapaz, amaldiçoado por deus a perambular pelo mundo sem poder ser morto, passamos por diversas épocas (ou diversos presentes, como o livro trata) e nos tornamos testemunhas das maiores desgraças narradas no Antigo Testamento, como a destruição de Sodoma e Gomorra e o Grande Dilúvio. A partir dessas demonstrações da ira de um criador capaz até mesmo de fazer um pacto com satã para satisfazer seus caprichos, vemos a raiva que caim sente por ele ir aumentando.
Com as mudanças de ambiente e os encontros do andarilho com vários outros personagens bíblicos, entre a Criação e o fim da viagem da Arca de Noé, pequenas vinganças vão sendo feitas e batalhas sendo travadas, descontruindo o mundo que conhecemos e sugerindo outras possibilidades. Saramago não nos deu só mais uma boa leitura, garantiu também uma boa dose de polêmica e, principalmente, de reflexão sobre os papéis dos humanos e suas divindades no mundo atual. Não recomendado para religiosos extremistas e incondicionais.

Caim
Autor: José Saramago
Gênero: Romance (Ficção)
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 176
ISBN: 978-85-359-1539-6
Preço Sugerido: R$ 36,00