Um jeito, um carinho, um cheiro. Um momento, alguém, uma atitude. Saudade é um pedaço de nós que não nos pertence mas se adapta, inflamado, em algum lugar do peito. Ou simplesmente uma ausência, um vazio que não se preenche, apenas se sobrepõe às lembranças. Saudade é pulso acelerado, saudade é calor de abraço que esfria. Saudade é fotografia do passado no porta retrato de uma memória aflita.
É infância nos joelhos, cicatriz, dente de leite, medo do escuro. É dormir na cama dos pais, bem no meio dos dois, deixando tudo de ruim para trás. Beijo na testa. É voz de mãe fazendo música, voz de pai no primeiro jogo de futebol. O primeiro palavrão. Sorvete na camisa, pique bandeira, queimado. É incansável alegria de cachorro nas nossas pernas. Saudade é o que não colhemos e insistimos em cultivar depois que os anos amadurecem o coração.
É distância que aproxima a solidão. É estar longe e sentir a cada metro a dor do deslocamento, do rompimento dos laços, da perda de referências. É o olhar que busca conforto no desconhecido. É não sentir mais a mão que nos guia, é a inquietação das perguntas e a demora por respostas. É o que fica quando as placas não nos dizem nada, quando as palavras são rígidas e as pessoas não são nossas.
Saudade é ainda sentir a textura dos fios de cabelo por entre os dedos. Lembrar do perfume que não é o mesmo em outros corpos. Das marquinhas do rosto, da intensidade e da variação de cores na íris dos olhos. É olho no olho, conversa boba. É o gosto da outra boca que passeia na saliva. Ou na vontade deixada pra trás. O desencaixe do corpo, o encontro das mãos em silêncio. É a frase não dita e o orgulho superado. É o amor do outro escondido (ou perdido) dentro de nós.
Saudade é o mar suspenso em maresia, é o ar salgado da onda que já se foi. É tamanho único, pegada na areia que somente o tempo resolverá quando apagar. E depois que o vento passar, que água voltar a bater onde esteve nossos pés, é a certeza do caminho percorrido. Que permanecerá dentro de nós. Saudade é o que fica e o que sempre vai ficar quando não conseguirmos mais chorar.