Dez anos depois, a cidade do Rio permanece doente.
O recolhimento de dados e depoimentos para a filmagem demorou cerca de 2 anos (1997 e 1998), o que contribuiu para um trabalho profundo e bem apurado. Logo de cara o espectador já é chamado a ir ao encontro de importantes dados estatísticos, como o número de pessoas envolvidas no tráfico de drogas, se equiparando ao número de funcionários da prefeitura do Rio de Janeiro. Levado a caminhar junto com a câmera, os movimentos e as lentes de João Moreira Salles anunciam o início de uma grande denúncia.
O envolvimento infantil no tráfico também é um dos pontos fortes do filme. Ao serem questionados a respeito do medo da morte, a resposta dos meninos Lico, 13 anos, e Leandro, 14 anos, reverberam como uma crítica direta à banalidade da violência: “Um dia todos nós vamos morrer mesmo”. A mentalidade das crianças aliadas ao espírito suicida, mostram que o poder e o orgulho de portar armas e ganhar muito dinheiro ilegalmente é uma alternativa válida na situação das favelas do Rio. Além disso, representam uma forma de obter reconhecimento perante o restante da sociedade.
É importante ressaltar, no que diz respeito aos quesitos técnicos, que o média-metragem conta com a habilidade da fotografia de Walter Carvalho, um dos grandes nomes da imagem cinematográfica brasileira. Com câmeras na mão, recortando, desvendando e quase desbravando as mais escondidas vielas do morro, o diretor segura na mão dos espectadores e leva a verdade aos olhos da classe média. Como um colírio visual e um antídoto moral, este documentário é uma dose de realidade impossível de ser negada.
