
Devia ser proibido debochar de quem se aventura em uma adaptação cinematográfica. Estreou ontem o filme Budapeste, baseado no livro homônimo de Chico Buarque. Carregado de sutilezas narrativas, o roteiro tem várias modificações em relação à história original, mas chega bem perto de manter o tom exato da narração do ghost-writer em crise, e protagonista do filme, José Costa (ou seria Kósta Zsoze?).

Leonardo Medeiros vive a personagem principal, um escritor talentoso que vende suas palavras pra outras pessoas assinarem a autoria. Voltando de uma convenção em Istambul, José Costa é obrigado a conhecer Budapeste, e se surpreende com a cor da cidade (“Achei que Budapeste era cinzenta, mas Budapeste era amarela…”) dando a largada para a louca história de um homem que vive em uma eterna dúvida entre duas cidades e dois amores, e por isso não consegue se realizar em nenhuma das duas vidas.

Algumas passagens do livro que foram “omitidas” acabam fazendo falta àqueles que o leram, mas não irão dificultar o entendimento dos que não tiveram esse prazer. Outras cenas, no entanto, não existiam no livro mas acabaram sendo incluídas para mostrar mais a cidade-título. Um bom exemplo disso são os vários momentos em que Kósta Zsoze (como ele é chamado em húngaro) admira a famosa estátua do Escritor Anônimo, um símbolo da cultura húngara que não foi utilizado por Chico Buarque, uma vez que ele ainda não conhecia o país quando escreveu o livro.

Em um primeiro momento, também ficamos com a impressão de que haveria um exagero nas cenas de sexo (seria trauma por “Primo Basílio”, de Daniel Filho?), porém Walter Carvalho, diretor, e Rita Buzzar, roteirista, acabaram acertando o tom e criaram momentos íntimos sem exibições constrangedoras. Na verdade o roteiro de Budapeste peca por explicar de forma demasiadamente explícita todas as nuances da conturbada relação de José Costa com Kósta Zsoze e suas características psicológicas, detalhes que no livro devem ser percebidos apenas através da compreensão do leitor.
O elenco também foi bem escolhido. Giovanna Antonelli cria muito bem Vanda, a mulher bem-sucedida que, de tanto ser esquecida pelo marido, acabou aprendendo a se esquecer dele também (apesar disso ser mais uma das diferenças entre o filme e o romance). A húngara Gabriela Hámori vive Kriska, a professora que se torna amante de Zsoze, e se encaixa muito bem na fala do protagonista: “branca, branca, branca, bela, bela bela”. E até mesmo Chico Buarque faz uma pontinha no filme (durante poucos segundos e a apenas alguns minutos do final). E falando em húngaro.

Mas os verdadeiros trunfos do filme são a trilha sonora e a fotografia, de Leo Gandelman e Lula Carvalho, respectivamente. Se a trilha sonora ideal é aquela que, de tão perfeita, só é percebida quando acaba, Gandelman acertou em cheio. Foi uma jogada de mestre colocar o delicioso samba Feijoada Completa, do Chico Buarque (é claro), sendo cantado também em húngaro. E depois de tudo fica até difícil encontrar adjetivos para definir a beleza fotográfica de Budapeste. A leve mudança de cor na alternância entre as duas cidades, do azulado carioca para o amarelado húngaro, cria ambientes perfeitos para o desenvolvimento de cada uma das tramas. Só me resta citar a própria obra nessa definição: “absolutamente admirável”. Ou, já que o húngaro é á única língua que o diabo respeita: “teljesen csodálatos”.
