
“E agora, José?”
Creio ser arriscado analisar a prosa de Chico Buarque porque já é costume elevar sua música como arte incriticável. Assim, transposta para a literatura toda a sua magnificência musical, críticos foram tidos como ousados demais simplesmente por acreditar que Chico como romancista, seria apenas um grande compositor. Continuaria sendo músico, sem se ater para o compromisso literário. Pode ser. Mas… deveria ser proibido debochar de quem se aventura em tentar despir a aura que cobre esse compositor desde que ele se entende por gênio. Mesmo assim, finquemos os pés no chão e façamos as ressalvas que lhe são justas, analisando o que leitura de Budapeste pode nos proporcionar.

Budapeste é um romance não-linear, em que o personagem José Costa é o narrador e se alterna entre a Hungria e o Brasil. José é um escritor anônimo que constrói uma vida paralela em solo húngaro com a nativa Kriska, enquanto no Brasil, vive com a esposa Vanda e o filho Joaquim. Seu personagem é tão intensamente confuso, que se constrói e reconstrói a cada capítulo. Ama demais Vanda a ponto de vê-la em qualquer caminhar feminino, ao mesmo tempo que venera Kriska pela sua força, sua brancura e altivez.

Sua invisibilidade é angustiante. Como profissional, trabalha para outros assinarem o vazio de sua obra. Por mais que pareça dedicado ao ofício, sente-se lisonjeado por ser parte da mentira da vida de alguém. Além de escrever o que não viveu e biografar a vida alheia, ele não faz parte nem do que acredita ser a sua própria vida. O filho cresce obeso e infantil, repetindo “mamãe”, enquanto ele pensa estar criando laços afetivos com o filho de sua amante. Vanda o ignora, Kriska o enlouquece sentimentalmente, sua língua o abandona e o húngaro o trapaceia a cada tentativa de aprendizado.
A metáfora do homem moderno, que quer pertencer a tudo e a todos pode ser vista também através da gradativa dispersão do personagem. O personagem viaja a cada conflito interno e a leitura é propositalmente confusa a medida que José se perde em sua própria identidade. José ou Zsoze? Um sócio ou um escravo? Um anônimo ou um sucesso? Seus fragmentos são parte de uma grande história sobre linguagem e identidade escrita por um compositor, sim. Mas nem por isso poética demais a ponto de comprometer sua estrutura. Um boa obra.

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Budapeste
Autor: Chico Buarque de Hollanda
Gênero: Romance Brasileiro
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 176
ISBN: 978-85-359-0417-8
Preço Sugerido: R$ 38,50