Amanhã completa-se um mês do falecimento de José Saramago, certamente um dos mais geniais e polêmicos autores que o mundo conheceu, e o único a escrever em língua portuguesa que foi contemplado com um Prêmio Nobel. O post de hoje será dedicado a uma de suas mais de trinta obras publicadas. E talvez seja a que se enquadre de forma mais completa e mais irônica ao momento. Enquanto você clica em "ler completo", tente imaginar em como seria o mundo se as pessoas simplesmente parassem de morrer.
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Pois é assim que se desenrolam os acontecimentos em "As Intermitências da Morte", de 2005. Num certo 1º de janeiro, em determinado país fictício, a morte responsável por aquela área simplesmente decide suspender suas atividades, tirar umas férias, magoada com os humanos pela falta de compreensão que a transformou na mais desejada, quando deveria ser ao menos um mal necessário. Ninguém sabia quanto tempo duraria a tal greve e, a partir do acontecido, as mais terríveis consequências se sucedem nos âmbitos social e econômico daquela nação. Funerárias ficam à beira da falência, até que uma lei tornam obrigatórias aos animais de estimação as mesmas formalidades fúnebres cabíveis aos humanos. Moribundos se acumulam por todos os cantos, levando algumas famílias a traficarem seus pé-na-cova a terras estrangeiras para que possam morrer, e os mais estranhos incidentes sociais e diplomáticos se instalam.
A trama pode ser dividida em três momentos distintos. O primeiro, seria a morte interrompida, de fato, como escrevi acima. Logo em seguida, ela resolve se manifestar e envia um comunicado à população, informando que voltaria ao trabalho gradativamente, mas com uma novidade: a partir daquele dia, todos os que estivessem em sua lista receberiam uma carta de aviso-prévio, rescindindo o "contrato temporário a que chamamos vida", sete dias antes da fatalidade, para que pudessem tomar suas providências finais. Saramago a descreve como uma caveira mascarada de mulher quando de seu pronunciamento televisivo.
O trecho final, no entanto, é o mais inusitado. Se é que isso é possível. Todos se acostumam aos novos procedimentos, e tudo parece correr bem, até que uma carta é devolvida para a morte quando o destinatário não é localizado. Sendo obrigada a cumprir suas promessas e a realizar seu trabalho, não poderia levar o homem deste mundo sem o aviso prévio de sete dias e, naturalmente, não podia deixá-lo pra lá permitindo que gozasse da vida eterna. Assim, parte numa jornada em busca do desconhecido que deveria morrer mas, pela primeira vez na história da Humanidade, despistou a inevitável.
Como em todas as obras de Saramago, somos capturados logo nos primeiros parágrafos e ficamos aprisionados pela trama até a frase derradeira, sendo constantemente arrebatados por constatações e suposições ao mesmo tempo absurdas e verossímeis. É uma pena que a dita-cuja não tenha suspendido o expediente por alguns anos mais, antes de levá-lo de nós. Que ele esteja bem. Onde quer que esteja, que seja um lugar melhor. Mesmo que ele próprio não acreditasse nisso.

As Intermitências da Morte
Autor: José Saramago
Gênero: Realismo Fantástico
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 208
ISBN: 978-85-359-0725-4
Preço Sugerido: R$ 42,00