Entre realidade e ficção encontra-se o tênue limite do cinema. Há muito tempo a cinematografia deixou de ser uma “arte do real” e passou a lidar com a sua condição de arte ficcional, com (ou sem) base e inspiração na realidade. Assim, uma vez que um filme se propõe a ultrapassar as linhas que o separam do exagero, a narrativa corre o risco de perder grande parte da sua verossimilhança e de seu encanto. “À Deriva” (Brasil, 2009) não deixa de ser encantador e digno de aplausos, mas carrega na pretensão de querer ser simples.
Mais novo trabalho de Heitor Dhalia (do excêntrico “O Cheiro do Ralo”), a história é sobre uma estrutura familiar em crise. Embalados pela beleza natural de Búzios, os pais tentam retomar a vida conjugal após constantes brigas e infidelidades, enquanto os filhos amadurecem à força. Neste ponto, a união entre a fotografia e a história dialogam de forma contrastante: o ambiente paradisíaco, as praias, o nascer e pôr do sol tentam dar algum consolo aos personagens e suas vidas vazias. Da mesma forma, direção de arte e figurino (este último, de Alexandre Herchcovitch) completam um visual alegre, com componentes harmônicos, contrabalanceando com o constante e angustiante clima de iminência.
É através dos olhos de Filipa (Laura Neiva), a filha mais velha do casal Matias (Vincent Cassel) e Clarice (Debora Bloch), que a trama se desenrola lentamente, enquanto a menina faz a transição para a adolescência de uma forma rápida e confusa. O pai, escritor, seu ponto de apoio, começa a ter um caso escondido com uma americana, pondo à prova a confiança da filha; por outro lado, a mãe vive uma vida de inconstância emocional e busca fuga na bebida. Com seus altos e baixos, as fraquezas da personagem Clarice ganham força com o profissionalismo e experiência de Debora Bloch. Já Laura Neiva, novata e destaque de Dhalia, possui uma beleza clássica que acaba deixando em segundo plano seus momentos de inexpressividade.
Por último, a impressão de fluidez é um grande mérito da trilha sonora. A música leva o espectador a se sentir à beira mar e confere à trama, bastante recortada, a plasticidade necessária para que o encadeamento da narrativa seja quase imperceptível. Com uma roupagem de “filme pra estrangeiro ver”, “À Deriva” desde o princípio, com o primeiro plano sequencia dentro d’água, deixa o espectador imerso em um ar de tensão e maresia visual. Um filme artístico sem dúvida, mas que pede ao público a tarefa de ancorá-lo.

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