
Eu caminho
por Montmartre a aproveitar os últimos momentos neste lugar. O céu está meio
nublado, é o tempo perfeito para mais um café com baunilha. A França vai embora
hoje, e daqui partirmos para a fria e distante Finlândia. Não posso esquecer de
comprar minha passagem de trem. Ah, Adeus croissants de chocolate – e me desculpe se
só penso em comida e cinema. – Este
ciclo se fecha com um pouco de psicologia infantil, sexualidade e aquela delicada
época das descobertas. Lembrou-me até do meu primeiro texto para o site, no
Ciclo Dinamarca. Tomboy (“Tomboy”,
2011) tem o mesmo espírito livre do filme dinamarquês de tanto tempo atrás. Talvez
corpos e personalidades mudem, não a mensagem que se tenta passar nesses anos
todos; ideais franceses tão conhecidos, mas pouco exercidos de liberdade,
fraternidade e igualdade.
Laure (Zoé
Héran) é uma menina andrógena de 10 anos de idade diferente da maioria das
garotas. Prefere futebol e shorts às bonecas e vestidos. Quando ela, seus pais
e sua precoce irmã mais nova Jeanne (Malonn Lévana) se mudam para o novo
bairro, tudo parece normal. Até a vizinha Lisa (Jeanne Disson) confundi-la com
um menino. Aquilo é tão excitante para Laure que ela não desmente a visão da
outra menina e assume até mesmo um novo nome, Michaël. Dentro dessa nova e
extraordinária identidade, o verão começa com longas tardes ensolaradas, jogos
e claro, os famigerados primeiros beijos.
Tomboy foi
escrito em Março de 2010 e em Agosto do mesmo ano já estava sendo rodado. Filmes
como esses levantam sim certas bandeiras, são militantes – e qual o problema
disso? – de uma causa de amor. Como disse a roteirista e diretora Céline
Sciamma: o tipo que é feito em um impulso, com uma motivação forte e muita
dedicação. Em 20 dias de filmagem estava “pronto”. Saiu do ventre da Mãe Arte e logo já era um
adulto muito bem feito. Não precisaram nem de muito tempo e dinheiro, porque
acreditam naquilo, acreditavam na verdade e potencial de um projeto, eu diria,
transformador. Essa velocidade de produção reflete um pouco o estado mental do
filme, esse radicalismo e dinamismo tão buscados, do tipo que cria novas
energias e motivações.
A ironia dramática
é fundamental para nos apegarmos à história. E desde o começo embarcamos na
questão alegórica de sermos uma coisa e queremos ser outra. Assim, dentro de um
universo de vontades e aparências subjetivas, nós somos brindados com um dos
melhores elencos infantis dos últimos tempos. E como se o filme precisa de
mais, a atmosfera é como em pinturas francesas impressionistas. Mergulhar nesta
obra e não sair molhado e com espírito lavado é impossível.