sábado, 2 de junho de 2012

Trapaça



Eu sei que nada disso faz parte ou é permitido, mas talvez eu tenha a licença poética para tratar do meu filme favorito de todos os tempos (nesses longos 21 anos de idade). Eis aquele e único capaz de me deixar sem ar por 127 minutos. Eu tentei, não consegui me aguentar. Por um momento rápido demais minha cabeça girou e eu decidi – ainda incerto – em trapacear. Hoje, em segredo, vamos dissertar sobre um filme falado em francês, afinal, estamos no ciclo França. Mas uma produção canadense, e que produção, meus caros!


Da canção Crazy de Patsy Cline ao roteiro e direção sobrenatural de Jean-Marc Vallée, somos conduzidos por eles, patinamos sobre o gelo fino e ao mesmo tempo acolhedor. A história de Zac, um jovem a lutar através de anos pelo direito de ser ele mesmo e amar quem ele quiser. Sem caminhos fáceis, clichês ou atalhos, a história se costura na dura pele do personagem e na sensível nossa. Sem direito a tempo de cicatrização, mas com cuidado e amor pelo protagonista. Quer um casaco para continuar? Pode fazer frio.


Cinco irmãos, um pai, uma mãe. Uma família com o número cabalístico sete. A narrativa acompanha as transformações no figurino, gosto musical e atitude do personagem. Conhecemos Zac logo após o seu nascimento no dia de Natal e o observamos crescer como faz uma tia coruja. Ele se transforma? Nós nos transformamos? Qual o ponto de virada no roteiro da vida de um ser humano? Temos isso?


Esse filme alcança alguns clímax e muitas lágrimas. Não há curva narrativa, e sim uma estrada em zig e zag. Somos um pouco da mãe, do pai, de cada filho. Eu sou o Zac e ele me olha atrás do espelho. Seja pelo raio na cara como o Bowie ou pelo quarto peculiar que me representa. É daquele tipo de história “nossa, o autor me conhece?”. O pequeno franco-canadense é o menino Jesus de uma minoria ainda em busca de religião. E nós espectadores somos a testemunha de um milagre artístico.


Sabe quando você tem certeza que já fizeram filmes melhores, mas só um realmente te define e fala diretamente com você? Pois é essa a sensação a atingir minha pele/alma quando vejo e revejo C.R.A.Z.Y Loucos de Amor (C.R.A.Z.Y, Canadá, 2005). Não é uma questão técnica, é completamente do peito. Dessas vezes em que nosso coração vira um reprodutor de DVD e basta colocar a película dentro para os nossos olhos projetam então até à alma. Daí não tem mais jeito, não há volta. A gente mal consegue ficar muito tempo sem pensar nele.


"Um conto sobre amores
De mãe e filho
Pai e filhos
E filhos e filhos

Um beijo roubado com afeto
Um café com leite pela manhã
Um abraço inesperado antes de dormir
Um corpo para chamar de seu

Um filme sobre a loucura de ser normal
Sobre a coragem de ser você
Pelo peito aberto
E por legalizar o direito de sorrir para todos

Play, pause, stop
Verde, amarelo, vermelho
Controles remotos e semáforos
Pessoas reais e personagens"


Essa coluna e o filme possam ter talvez a mesma “intenção”. Ser pessoal em ordem de ser global. Generalizar para alcançar como fazem os americanos não é nossa vontade/proposta. Procuramos ser específicos e subjetivos, tocamos sim em “tabus” e bebemos da poesia quando preciso (ou quando simplesmente estamos com vontade). Vivemos a nossa vida dentro daquilo que acreditamos ser melhor para nós. Afinal, não existe de fato uma liberdade, mas até dentro de caixas é possível arrumar um espaço para abrirmos nossas asas. C.R.A.Z.Y consegue – talvez – fazer tudo isso. Por que nós não? Se a arte imita a vida, está na hora de imitarmos esse espírito livre da arte. Vamos trocar de lado e buscar possibilidades. Somos nossa família, nossas escolhas e amores.
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