August Brill é um crítico literário em fim de carreira que tenta conviver com a insônia que atormenta suas madrugadas. A dificuldade para dormir é fruto de lembranças incômodas que insistem em roubar sua atenção. Como forma de livrar a mente deste tipo de pensamentos, August passa suas noites criando histórias silenciosas, que guarda para si. Há um ano, desde que sofreu um grave acidente, o crítico passou a morar com sua única filha, Miriam, e com sua neta Katya, que voltou a viver com a mãe depois que seu namorado foi brutalmente assassinado no Iraque. A dificuldade para dormir e necessidade de uma válvula de escape parece hereditária.
Este é o enredo de Homem no Escuro, o mais recente livro publicado por Paul Auster (2008). Uma história simples e curta, mas não só escrita como cadenciada com maestria. A perspectiva das personagens e situações com as quais convivem, apenas evidenciadas por momentos de reflexão e lembrança, dá um forte caráter humanista à obra. Os assuntos abordados, entre eles a guerra e a velhice, têm uma grande dimensão e são extremamente ricos. Ainda que temas tão sólidos tenham caído em uma certa banalidade pela obviedade e caráter comum, o autor consegue reavivar os momentos de forma estimulante e encantadora.
O livro se divide em capítulos implícitos, quase atos; subtramas que se completam e abrem espaço para outras, dentro de um contexto maior. As histórias se entrelaçam sem deixar que nenhum tipo de confusão chegue ao leitor. Uma excelente tática para a formação do suspense e para quebrar os momentos de tensão e realidade fria do livro. O dinamismo converte o que poderia ser duro na satisfação de viajar pelos mundos propostos pela obra. Trata-se de uma leitura leve de deliciosa digestão, mas capaz de roer as estruturas humanas pela sensibilidade que atinge profundo em cada página.
O autor nos expõe a uma experiência de boa reflexão, interação pessoal e imaginação. Procura sempre aflorar a sentimentos e conflitos essencialmente humanos. A leitura de Auster é fortemente recomendada, sobretudo para os que esperam um bom texto com conteúdo afetivo e realista. Porém, sua marca talvez seja tão expressiva que prejudique a obra como conjunto. É comum esperar que seu personagem principal seja um escritor, a história permeada de lembranças fortes e que haja uma mistura de enredos durante seus livros. Uma breve apreciação da arte cinematográfica também é corriqueira. Ainda que os caminhos pelos quais vagam suas ideias sejam no mínimo satisfatórios, não há muito o que esperar em termos de inovação.
