A insensatez da morte não condiz com a lógica da vida, mesmo que, naturalmente, saibamos que o encontro com o fim dos dias de alguém seja não só óbvio como irreversível. E mais irônico ainda é deparar-se com a prematuridade da morte de quem vai, teoricamente, antes da hora – que pese, portanto, a dificuldade de entender porque crianças morrem. Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole, Eua, 2010), que estreia em cinemas brasileiros nessa próxima sexta vai além: satiriza a dor da perda sem fórmulas e sem floreios. Ainda que não encontre justificativa para o acaso.
Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart) são um casal que vive os meses seguintes à morte do seu primeiro e único filho, atropelado em frente à casa onde vivem. A busca pela recondução da vida esbarra na dor e no arrependimento de conviver com uma tragédia responsável por desmoronar o cotidiano e estimular hábitos que vão desde a depressão até à euforia absoluta. E é justamente com o objetivo de colocar tudo de volta nos trilhos que Becca e Howie entram em uma crise conjugal que ameaça destruir o casamento.
O peso da responsabilidade de tocar o barco mesmo com a latência da autocomiseração não produz nem sentimentos de capacidade de superação plena nem revolta inconsciente. Becca e Howie mantém-se em suspensão no ar – atacados hora pela saudade do filho hora pela necessidade de recomeçar a viver. E é onde Reencontrando a Felicidade encontra seu maior trunfo – a perda de um filho representa muito mais do que simplesmente raiva ou rancor; é, pois, um emaranhado tão complexo de sensações distintas que não há padrão que funcione para se determinar a reação de ninguém.
E John Cameron Mitchell, dramaturgo e cineasta que após o polêmico Shortbus tem sua primeira oportunidade real de mostrar serviço em Hollywood, que é o responsável por equilibrar a narrativa contando uma história que não foge do usual em nenhum momento, mas esbanja simplicidade e autocorreção. Desde a relação da indicada ao Oscar de Melhor Atriz 2011 Nicole Kidman com o adolescente que dirigia o carro do acidente fatal até à incursão precisa de Dianne Wiest como sua mãe provam o talento de Mitchell ao retirar a carga dramática ideal de seus atores sem pesar a mão.
Não espere encontrar um discurso de solidariedade aos pais de crianças mortas nem um panorama preciso do pós-tragédia. Eis, aqui, uma fatia de história milimetricamente selecionada, sempre com o objetivo de buscar a compreensão de um simples ato dentro de contextos muito mais complexos. Nem Becca nem Howie nem mais ninguém pode definir a sensação pois ela, invariavelmente, posta-se sempre diferente para cada um que a sinta. A morte é esperada. Mas foge de nós a capacidade de compreender o quanto ela dói. Palmas.
