Ele tem um Nobel de Literatura. Pode escrever do jeito que quiser.
José Saramago se apresentou a mim com Ensaio Sobre A Cegueira. E diante disso, parei pra pensar, quem sou eu pra me aventurar com as letras quando um ser humano é capaz de fazer um livro como esse.

Voltando à obra prima, é uma narrativa pesada, exaustiva e com períodos enormes. Temos 'muitos' personagens, conversas de temas reflexivos ao estilo português de Portugal e sem separação por travessões. O leitor desacostumado pode se perder na complexidade do assunto tratado e na fluência coloquial do texto, ou até mesmo se irritar com a falta de nome dos personagens. Só que... não é preciso dizer que é tudo de propósito né?

Cegueira atípica tratada como contagiosa. Cegueira branca, um governo desesperado e pessoas atordoadas. Uma mulher que enxerga. A história se desenrola até o caos, o desassossego é claro e também contagioso para quem lê. Diante da falta de controle, o comportamento humano é tratado brilhantemente através das palavras seletivamente escolhidas de Saramago. O pudor, os instintos, o inconsciente, as dúvidas, cada aflição descrita e dosada perfeitamente.
"... com o mal das minhas vizinhas posso eu bem, palavras que nenhuma disse, mas que todas pensaram, na verdade ainda está por nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra."
"... com o mal das minhas vizinhas posso eu bem, palavras que nenhuma disse, mas que todas pensaram, na verdade ainda está por nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra."