sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A Arte do Acordeão


JESSICA WEISS


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Um homem caminha, tocando sua sanfona, sobre uma longa estrada no sertão nordestino. Com um sorriso no rosto, ele perpassa seus dedos delicadamente sobre o teclado e os baixos, enquanto pressiona a fole do instrumento, produzindo sua música. Assim começa o filme “O Milagre de Sta Luzia” (2009) de Sérgio Roizenblit.


O documentário narra diferentes histórias de compositores do acordeão ao redor do Brasil, começando pelo sanfoneiro Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989) nascido milagrosamente em 13 de dezembro, dia de Santa Luzia, fato que inspirou o nome do filme. Foi o criador do baião, um estilo musical, no qual o teclado, tipicamente agudo, toca as notas graves e o baixo torna-se agudo. Gonzaga foi também o mestre de Dominguinhos, considerado atualmente o principal sanfoneiro do país, sendo este o guia e o músico da estrada no início do filme.

Além da saudade expressa pela morte do rei do baião, o filme é uma homenagem ao próprio acordeão. Dominguinhos atravessou o Brasil à procura de sua história e dos diferentes estilos do instrumento, desde o baião nordestino até a mais suave “gaita” do Rio Grande do Sul, passando pelo Pantanal até Minas Gerais e São Paulo. O exímio compositor não viaja de avião há 30 anos, rodando mais de 100.000 quilômetros em sua caminhonete para completar sua jornada. Em seu percurso, Dominguinhos se depara com grandes nomes do sertanejo como Patativa de Assaré, Arlindo dos 8 Baixos - que ao ficar cego, manteve-se “alimentado pela sanfona” - Camarão, Renato Borghetti, Gilberto Monteiro e Sivuca, que faleceu logo após as filmagens.
Desde 2003, se passaram quatro anos de coleta de depoimentos para o filme. O roteiro é repleto de histórias características, como quando, ameaçado por uma faca, Pinto do Acordeon improvisa New York, New York na sanfona. O figurino exibe atributos típicos do cangaceiro e do gaúcho como se estivessem presos em outra época da história. Não só o figurino, como todo o filme é narrado num tempo calmo - em contraponto ao tempo urbano - com panorâmicas de paisagens bucólicas, que nos fazem perguntar como e onde ainda existem no Brasil. As locações, acompanhadas pela fotografia, possuem desde o vôo de um casal de araras azuis - acompanhados pela canção sertaneja em sua homenagem - até as casas de pau-a-pique espalhadas pelo interior do país, denotando a diversidade brasileira. A fotografia não centra somente em seqüências esteticamente belas, mas também concentra muitos de seus planos em detalhes de rostos com rugas e dentes tortos de transeuntes e até em uma menina se lambuzando de fruta na feira. A trilha sonora não pode, obviamente, ser deixada de lado, pois contém os mais diferentes estilos expressos pelo acordeão, encantando até aqueles que não são fãs da música sertaneja. Primeiro longa-metragem do diretor, foi o vencedor do Candango de Melhor Trilha Sonora e do Prêmio Vagalume de Melhor Filme no 41º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
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