sexta-feira, 18 de março de 2011

As Desventuras de Um Desastre

Narciso, segundo Caetano, acho feio absolutamente tudo que não é espelho. E a beleza, fugaz e arraigada na juventude efêmera, soa como uma restrição que garante o prazer apenas aos afortunados de belos traços. E Oscar Wilde, no fundo de sua cova, deve remexer-se com estrépito a cada momento que alguém, desavisadamente, faz menção à mais nova adaptação de uma de suas maiores obras: O Retrato de Dorian Gray (Dorian Gray, Reino Unido, 2009) chega aos cinemas brasileiros em uma refilmagem demente e muito, muito cafona.


Dorian Gray (Ben Barnes) é um jovem que, após receber uma herança polpuda de um tio falecido de Londres, muda-se do interior para a capital com o objetivo de conhecer a cidade e, consequentemente, integrar-se à conservadora alta sociedade londrina. Apadrinhado por um artista eminente de Londres, Dorian tem seu retrato pintado e exposto na sala de estar de sua mansão – assim como preza a liturgia da nobreza – alçando-se, assim, ao status de jovem mais cobiçado de todo o Reino Unido.


A trajetória de sucesso concebida para Dorian se desvia a partir do aparecimento de seu primeiro elo relevante com a nobreza britânica – Lord Henry Wotton (Colin Firth), rico e desapegado de qualquer consciência moral ou ética, torna-se o mentor e, por consequência, o guia de Dorian Gray no universo secreto dos prazeres mundanos – todos eles escondidos debaixo dos narizes de lordes, madames e seus costumes reacionários. E é Wotton que, propositalmente, injeta em Dorian o sentimento de insurgência e apreço pela liberdade que transforma o íntimo do rapaz.


Dorian, em que pese o valor de seu personagem, é, na essência, um desmembrado; um herdeiro bastardo que sem possuir talentos apóia-se nos encantos de seus traços – a beleza, para Dorian, é um passaporte; um visto para o mundo ao qual agora pertencia. E o retrato, dessa vez escondido no sótão da mansão, torna-se um escudo de toda a carga de dor, ódio e desilusão disfarçados de prazer que acompanham o dia-a-dia de Dorian Gray – deixando-o, assim, jovem para sempre.


E é mais que evidente que o desastrado Oliver Parker, o desastradíssimo diretor da obra (obra?!), não foi capaz de calcular com sequer um mínimo de delicadeza as nuances de uma história tão complexa – e, paradoxalmente, nos entregou um filme vazio, superficial e constrangedoramente piegas. Nem a atuação do mais novo vencedor do Oscar de Melhor Ator (Colin Firth) é capaz de salvar “O Retrato de Dorian Gray” do fracasso total. A cafonice e a incapacidade narrativa desfilam pelo tempo penoso de duração e nos garante, no fim, apenas uma certeza irrepreensível – a mesma de Caê quando aportou sozinho em Sampa: o mais puro mau gosto, mau gosto, mau gosto.

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