terça-feira, 20 de março de 2012

Benvenuto, Padrino Francis



Final dos anos 60 e toda a produção cinematográfica norte-americana é controlada pelos grandes estúdios. Os diretores (salvo exceções notáveis) funcionam como meros organizadores de set. Os filmes são pasteurizados e não há mais verossimilhança com a realidade do país. Mas eis que, no apagar das luzes, vê-se a esperança: uma turma rebelde surge das faculdades e dos cineclubes com o desejo de meter o pé nas portas dos estúdios e reconstruir a história do cinema. Scorsese, Spielberg, George Lucas, de Palma, Bogdanovich, Altman... E Francis Ford Coppola. Coppola e a saga da Família Corleone – o maior enredo da história do cinema americano.



Muito além das definições que determinam a trilogia (?!) “O Poderoso Chefão” como um marco na história da arte, há, antes de tudo, a importância prática – principalmente dos dois primeiros filmes – na transformação do cinema. Pois, em tempos de transformação, sempre há a necessidade peremptória de quebra de paradigmas e instalação de precedentes. E Coppola, ao contar a jornada de um imigrante siciliano que enriqueceu e fez fama no submundo americano, não resumiu-se ao clichê de expor a história como um simples épico de ascensão. Fez mais: a narração da tragédia de Vito Corleone reconstituiu a essência do “american dream” e da prosperidade da época.



Sendo assim, percebe-se que para além da importância do filme dentro das artes, há a sua necessidade de reflexão histórica como amostra da cultura de um país em seu ápice. E é justamente aí que encontra-se a perfeição de “O Poderoso Chefão”: Coppola desenhou a história do homem moderno, das famílias, da construção das nações ocidentais e do apreço à honra. E o cinema, depois de 1972, nunca mais foi o mesmo. Era a hora, portanto, de juntar os cacos remanescentes do fim do domínio criativo dos estúdios e montar um novo panorama – que seria a tônica que permaneceu até o início dos anos 80: o cinema, depois de “O Poderoso Chefão”, tornou-se, enfim, uma arte completa.



O gigantismo dos filmes (os dois primeiros, em especial) é representado por sua influência imediata: os próprios diretores da chamada “Nova Hollywood” (o movimento de novos cineastas empenhados em remodelar a indústria cinematográfica) inspiraram-se imediatamente em Coppola que, à época, tornou-se mentor e conselheiro dos mais jovens. E mesmo questões técnicas, como fotografia e trilha sonora, marcaram ponto como exemplos perfeitos do domínio total do cinema – em todas as suas camadas. Mais os dois Oscars de Melhor Filme e os outros dois de Melhor Ator (Marlon Brando e Robert de Niro) e voilà: estava vivo o maior clássico do cinema.



Coppola, aos 33 anos, provou que o cinema é a arte dos famintos pelo sincronismo, pela paixão, pela entrega e pela perfeição. Viu-se que orçamentos polpudos (apesar dos estouros quase semanais na produção do primeiro filme), caretice narrativa e manipulação temática não eram mais obrigatórios. E respiramos, aliviados, pois, sem Coppola e a magnitude de sua obra, não enxergaríamos o cinema da mesma forma. Tal como Michael Corleone no final do terceiro filme (um epílogo, nas palavras de Coppola) assistiríamos sozinhos ao passar do tempo numa cadeira confortável em um quintal. Sem desconforto, sem instigação. Sem provocação, sem beleza. Até à queda da laranja.
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