
Chame alguém de Bambi hoje ou compare-o a um veado: seu interlocutor ficará, no mínimo, um pouco ofendido. Se hoje o termo é depreciativo em relação aos homossexuais, deve muito pouco à memória de seu representante animado, Bambi (Estados Unidos, 1942). O protagonista, criado no romance Bambi, A Life in the Woods, de Felix Salten, tem seu nome vindo de "bambino" – significado de "menino" em italiano. E assim é Bambi: uma criança frágil e desajeitada, infelizmente injustiçada pela passagem do tempo.
"Bambi" é um filme que preza pela delicadeza e pelo preciosismo. O longa seria o segundo dos estúdios Disney, depois de "Branca de Neve" (1937), mas sua produção foi demorada e outros quatro filmes de animação passaram a sua frente: "Pinóquio" (1940), "Fantasia" (1940), "O dragão relutante" (1941) e "Dumbo" (1941). A demora explica-se: o capricho na animação, que utilizou a extensa observação de animais, com direito a um zoológico próprio para a hospedagem dos modelos – nota-se nos cenários e nos movimentos naturais dos bichinhos. A cena em que Bambi e seu amigo Tambor andam sobre um lago congelado é clássica e um primor de realização.
O mesmo cuidado e delicadeza se observam no tratamento do roteiro. "Bambi" é uma história difícil. A memória que ficou da minha infância foi de um filme extremamente triste, e o longa consegue isso sem nenhuma imagem explícita ou forte. As pressões do título de Príncipe da Floresta, a relação difícil com um pai distante e solene, a paixonite pela cerva Falina e, principalmente, a perda da mãe são dramas pesados para encaixar em um filme de crianças (o romance em que foi baseado era para adultos), mas são dosados com carinho. Walt Disney fez questão que não mostrassem a mãe de Bambi sendo morta por um caçador (uma cena alternativa seria com o jovem cervo encontrando sua mãe em uma poça de sangue, imagine só!), e realmente seria desnecessário. Sentimos o peso da ausência da personagem, e dói. Dói porque mães não deveriam partir. Crianças e adultos sabem disso.
O filme teve um orçamento alto, e deu prejuízo em seu lançamento, muito em parte pelo contexto da Segunda Guerra Mundial. Além disso, houve uma controvérsia pelo retrato dos caçadores e do próprio Homem como vilões – embora eles nem mesmo apareçam no filme. A Disney só recuperaria o investimento em 1947, no relançamento do longa nos cinemas. A história só teria uma sequência em 2006, "Bambi II – O Grande Príncipe da Floresta". Contudo, dizem que esse era o filme favorito de Walt Disney. Merecidamente: o impacto inicial da história que permanece é um sinal de um clássico eterno.