quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sobre princesas e fadas

"Era uma vez uma princesa, e como todas as princesas, ela acreditava em amor verdadeiro." Começa a historinha do teatro infantil que Marianne (Agnès Jaoui) organiza. O mundo fantástico da peça é um espelho para toda a trama de Além do Arco-Íris ("Au Bout du Conte", França, 2013), dirigido por Jaoui e escrito em conjunto com  seu habitual parceiro Jean-Pierre Bacri ("O gosto dos outros"). A diretora sabe que, mesmo em tempos de esclarecimento e liberdade quase totais, a maioria das princesas ainda sonha, insconscientemente ou não, com o príncipe encantado.


É o caso de Laura (Agathe Bontzer), que acredita nos sinais do destino e ainda espera por seu cavaleiro galante. Na outra ponta da trama está Sandro (Arthur Dupont), que compõe sua primeira sinfonia mas tem problemas de autoconfiança. Já fica bem claro que os dois estão destinados a se encontrar. A trilha sonora já antecipa; os caminhos vão se cruzando lentamente, as coincidências se acumulando e as referências a contos de fada estão lá para quem quiser ver. Sandro é a Cinderela de Laura.


O filme poderia terminar no final feliz em que os dois correm apaixonados por Paris, mas Jaoui também sabe que o amor é muito pouco parecido com os contos de fada. Numa época em parece comum adicionar elementos modernos para subverter os clássicos do gênero, Além do Arco-Íris adiciona os traços fantásticos ao cotidiano das neuroses e complexidades buscando provar um ponto. Por debaixo das referências aos contos infantis, está uma história sobre personagens inseguros e/ou desacreditados de si. O fantástico faz o serviço de aproximar todos os fios num emaranhado de coincidências que, afinal, é o que o cinema costuma fazer.


Assim, juntam-se na trama um homem cético com problemas de relacionamento, obrigado a repensar sua vida ao ser lembrado da data de sua morte por uma vidente; uma menina de 8 anos, filha de pais separados, incrivelmente religiosa e que sofre com coceira psicossomática; uma mulher obcecada por tratamentos cosméticos e juventude; um poderoso executivo que ganha dinheiro poluindo o meio ambiente; um homem que não acredita em relacionamentos duradouros e se envolve com várias mulheres ao mesmo tempo; uma mulher que sonhava em ser atriz mas não conseguia nem dirigir o próprio carro. Sabemos o papel que cada um desempenha: a fada madrinha, a princesa e o lobo mau têm essa aparência, se vestem como tal. Mas eles nem sempre têm as atitudes que os arquétipos lhe conferem e assim, vão subvertendo e reescrevendo algumas ideias sobre fidelidade, amor e destino.


De forma bem humorada, Além do Arco Íris levanta essas questões suavemente, sem pretensões altas demais. O melhor do humor, pautado nas situações absurdas e na ironia das convenções clássicas das fábulas, fica por conta de Bacri, que interpreta o rabugento Pierre, pai de Sandro. Quem vai ao cinema esperando dar muitas risadas pode ser decepcionar, mas quem quer um final feliz (mas nem tanto) pode sair satisfeito.
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