
Ouvir o rap de Jay-Z sobre cenas dos anos 20, com as roupas de época e os carros antigos, inicialmente pode parecer fora de lugar, mas faz um estranho sentido. É a era do jazz, de florescimento econômico e cultural, mas também de afrouxamento moral, cabarés, festas intermináveis, bebida barata e culto à riqueza das famílias tradicionais ou de novos ricos. É a época de Fitzgerald, Hemingway, James Joyce, Picasso e do Cole Porter que convida: "let's misbehave". O Grande Gatsby ("The Great Gatsby", Estados Unidos/Austrália, 2013) é cheio de anacronismos, mas eles não só enriquecem a história como também permitem que se trace um paralelo de reflexão da nossa própria era, que tem valores muito parecidos com os de 90 anos atrás. E Jay-Z é o especialista moderno nesse assunto.
O Grande Gatsby não só é o melhor romance de F. Scott Ftizgerald como também é um marco absoluto na literatura norte-americana, adaptado outras duas vezes para o cinema. O diretor Baz Luhrman dá grande importância a esse fato e as palavras de Fitzgerald, muitas vezes intocadas, aparecem - literalmente - na tela, em destaque, graças a voz do narrador Nick Carraway (Tobey Maguire), que nos conta a história em flashback. Luhrman mostra o mesmo respeito ao material original de quando adaptou "Romeu e Julieta", utilizando os sonetos de Shakespeare integralmente. O que pode ser positivo, pelo próprio conteúdo das linhas de Fitzgerald, que refletiam de forma brilhante o lado obscuro de sua geração, também se torna excessivo à medida que a narração descreve até mesmo algumas coisas que estão bem ali para o espectador ver, sem que precise que ninguém o aponte.
A presença massiva do narrador é uma extensão da presença absoluta do diretor, que tem a mão pesada. Os cenários estilizados, os movimentos de câmera exagerados (acentuados pelo 3D) e a própria mistura de referências pop podem fazer torcer o nariz de alguns, mas em O Grande Gatbsy servem bem a seu propósito, o de retratar o mundo das artificialidades do sonho americano. A Daisy da adorável Carey Mulligan desfila impecavelmente em seu figurino deslumbrante, sem que um fio de seu cabelo se mova. O Gatsby de Leonardo DiCaprio (que, aliás, se desenvolve no filme de maneira impressionante), mantém o sorriso charmoso, emoldurado por fogos de artifício, até que o destino inevitável dos personagens aconteça.
O burburinho que se criou ao redor do filme, não apenas pelos figurinos e produção lindíssimos, como também pela presença de queridinhos modernos como Lana Del Rey, Florence + The Machine, Gotye, Jack White e do próprio Jay-Z, promete levar muita gente ao cinema. A serviço de uma ótima história, Baz Luhrman pode não atingir todas as dimensões do livro, mas o faz de forma bem contada, que pode atrair novos fãs ao romance.
