quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Entre o Medo e a Tradição



Impressiona-me o quanto somos regulados por nossa cultura. Sei que não é primeira vez que menciono tal fato, mas a cada dia corroboram os fatos para essa inclinação, que não é apenas minha. Não sou filósofo, nem pretendo ser, do mesmo modo que não me passa por este emaranhado de massa cinzenta que estudiosos apelidaram de cérebro, a aspiração à psicanálise. No entanto, digo, pondo a minha conta em risco, que, por experiência própria e depois de algumas observações que não há a razão, e sim os sentimentos. La película peruana O Leite da Amargura (“La Teta Asustada”, 2009, Peru), escrita e dirigida por Cláudia Llosa vem ao encontro do que menciono já há algum tempo.



O filme narra a história de uma jovem que acredita ser portadora de uma doença adquirida durante a amamentação, “La Teta Asustada”. Trata-se uma doença rara que se acomete a todas as mulheres que sofrem abusos sexuais. Todo o sofrimento e o medo são transmitidos pelo leite materno, infectando a criança. Como se não fosse o bastante, a pobre Fausta deseja enterrar a sua mãe, mas não tem condições financeiras para isso. Dessa maneira, la directora leva-nos ao microcosmo quechua (povo indígena que habita as áreas da região andina) contrapondo-o com a atual sociedade e seu universo particular.


No entanto, apesar de seu forte tema, é uma trama retratada com uma suavidade poética. Fausta, interpretada pela atriz Magaly Solier, tem de viver numa realidade hostil causada pelo medo de também ser estuprada e a crença de ter adquirido a doença pelo leite de sua mãe. O curioso é que tal moléstia não possui sintomas aparentes, trata-se então, de um problema psicológico causado pelo mito repassado de geração em geração pelo povo daquela região.



A cultura, o folclore, as crenças de um povo esquecido e maltratado em oposição ao pragmatismo e o culto à ciência de nossa sociedade. Fausta é moça presa no limiar das duas culturas, ora pertencente à uma época anterior a nossa, ora claudicante por tentar se desvencilhar daquilo que a retrai. Uma luta árdua entre o medo, as crenças e a realidade.


Um filme com identidade e envolvente sem perder a delicadeza feminina, que no caso é dada por Cláudia e Magaly. Uma poesia cinematográfica que dura o tempo exato para nos impressionar. 
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