(ou: "A Fraternidade não é vermelha nem na Cortina de Ferro")
Texto escrito por JOSÉ EDUARDO ZEPKA como “Colunista Convidado” para a coluna EuroCine.
O titular da coluna, D.M. RANGEL, estará de volta em dezembro.
O titular da coluna, D.M. RANGEL, estará de volta em dezembro.

Fim: mar - retorno à inexistência.
Dois Homens e Um Armário foi o primeiro filme de Polanski feito para exibição pública, sendo um importante expoente do experimentalismo cinematográfico polonês. É a obra simbolicamente inaugural do cineasta, visto que ele já tinha um sólido arcabouço de exercícios. Para o filme, Polanski cristalizou e aplicou uma concepção que gestou durante as incontáveis exibições de curtas e debates com os amigos. Segundo ele, o formato de curta deve ser em pantomima, ou seja, exprimir tudo em imagens acompanhadas de música sem o uso diálogos, pois esses não são adequados à forma do curta-metragem. Nesse sentido, a imagem não fica subordinada à escrita, seu fluxo corre livremente, o que possibilita potencializar o caráter subjetivo intrínseco a imagem frente à objetividade da fala. Evoca-se aí uma aproximação com o cinema silencioso.
Ademais a configuração de estrangeiros no qual se encontram, os protagonistas são caracterizados por uma peculiaridade, visto o surreal armário em seus ombros. Esse último é uma espécie de fardo que os estigmatiza, distanciando-os ainda mais da possibilidade de interação, pois sua presença (conjunto) incomoda o alheio. Essa questão não é proposital, porque é uma condição dada anteriormente, onde o guarda-roupa é inerente a eles. Dessa forma, pode-se afirmar que estão inseridos numa tragédia. No decorrer da narrativa eles tentam se integrar ao meio público, autoafirmando suas identidades, mas a sociedade os repele, seja no: bonde, restaurante ou hotel. E não para aí, há um violento confronto com uma gangue de jovens delinquentes (um deles interpretado pelo próprio Polanski), assim como se tornam vitimas do abuso da autoridade policial. A câmera de Polanski em certos momentos realiza uma panorâmica e enquadra em primeiro plano determinadas situações constrangedoras descoladas do enredo principal; o movimento é tão cínico que parece mostrar uma normativa do cotidiano, um dia-a-dia inconsequente, permeado por assaltos, alcoolismo e assassinatos. Dois Homens e Um Armário tem uma metódica “observativa-participativa”, no fim, acaba sendo uma radiografia de como era a vida na Polônia. Isso incluindo suas contradições e problemas, alguns desses não tão diferentes do ocidente capitalista.
É possível entender: os dois homens + o armário como uma unidade – um corpo único que não pode ser fragmentado –, sendo essa especificidade o motivo maior do pré-conceito infligido a eles. Os dois optam pela irmandade ao invés da separação, o que no contexto impossibilita suas assimilações pelo meio. No caso, a separação seria optar pelo individualismo egocêntrico; diferente da união que preserva suas particularidades, incluindo aí o guarda roupa, uma alegoria que segundo o diretor: “é um fardo totalmente sem sentido, mas que na sua neutralidade intrigante, torna-se infinitamente sugestivo”. Os protagonistas preferem manter a individualidade heterogênea frente ao individualismo homogeneizante.
Nota: Segundo o dicionário alguns conceitos aplicados a:
-Individualidade:
in.di.vi.dua.li.da.de
1 O que constitui o indivíduo. 2 Conjunto das qualidades que caracterizam um indivíduo.
-Individualismo:
in.di.vi.dua.lis.mo
1 Posição de espírito oposta à solidariedade. 2 A capacidade de poder existir separadamente. 3 Existência individual. 4 Teoria que fez prevalecer o direito individual sobre o coletivo.
O que irá gerar toda uma série de constrangimentos, como se a solidariedade recíproca entre ambos fosse um impeditivo para se adequar. Podemos analisar a questão de maneira concreta – eles, como conjunto indissociável, ocupam espaço numa sociedade sem disposição a abrir novos.
Como em quase toda obra de Polanski – acaba onde começou. Fecha-se um ciclo, cumpre-se um trajeto sem chegar a lugar algum, a repetição histórica que vitima os inocentes, assim como nossos “estrangeiros inconvenientes”.