
Posso até me tornar repetitivo, mas é importante frisar que o cinema asiático é fascinante justamente por refletir uma cultura diferente da nossa. E os filmes japoneses, em sua maioria, são fantásticos por abordar questões tão profundas do ser humano, sempre com um olhar questionador e filosófico de modo extremamente sensível, sem subestimar a inteligência do espectador. A Enguia (Unagi, Japão 1997) traduz exatamente esse pensamento, explorando o lado introspectivo dos personagens, sendo uma história que poderia se passar em qualquer lugar do mundo, e mesmo assim ela é imprevisível. Dirigido pelo veterano Shohei Imamura.
Takuro Yamashita, depois de passar oito anos na prisão por ter assassinado a esposa, começa uma nova vida numa pequena cidade suburbana trabalhando como barbeiro. A sua grande companheira é uma enguia, que ele manteve na sua cela durante o período em que esteve preso. Sua vida muda radicalmente quando ele salva Keiko, uma jovem mulher que tenta o suicídio num rio próximo ao salão de Takuro.Keiko, também tentando esquecer seu sofrimento, começa a trabalhar na loja dele, o que leva a uma crescente atração entre ambos, mas graças a alguns incidentes eles reviveram as tristes memórias do passado.
Imamura foi assistente de direção de Yasujiro Ozu, um dos mais importantes cineastas do Japão durante os anos 40-50. Ao contrário deste, Imamura parece menos perfeccionista, se preocupando apenas em passar a mensagem para o espectador. Seu trunfo é não ter medo nenhum de ser polêmico, como neste filme que trata de reabilitação social. Fica evidente que o protagonista não se arrepende de ter assassinado sua esposa pela infidelidade, ao mesmo tempo que ele tem um grande peso na consciência pelo mal que ele fez ao próprio destino. Esse remorso acaba impedindo-o de ter uma vida social saudável, tendo sentimentos muito contidos e aparentemente incapaz de amar novamente.
O longa metragem usa metáforas para explicar os sentimentos dos personagens. No início, quando Takuro vê sua esposa traindo-o, a lâmpada que ilumina a rua fica vermelha, demonstrando a raiva e o instinto homicida aflorando, e logo em seguida a lente da câmera é manchada de sangue. Outra cena interessante é ele sonhando que é menor que a enguia, demonstrando um complexo de inferioridade e depressão.
A Enguia é um belíssimo filme, vencedor da Palma de Ouro no festival de Cannes 1997. O lastimável é que muitos de nós, ocidentais, não se interessarão pelas fantásticas produções do outro lado do mundo por puro preconceito, dizendo que o Japão não é capaz de produzir belos filmes, ou então falando em tom de deboche que a cultura deles é “diferente demais” mesmo sem conhecê-la.