Depois de incontáveis gerações de homens complexados no cinema francês chegou a hora das mulheres também mostrarem que são tão incompreendidas quanto eles. Nesse propósito chega Tomboy ("Tomboy", França, 2011), a crônica de uma menina que resolve viver uma vida como menino. O que se agrava quando ela decide ter um romance com outra menina. Fica evidente que, por mais simples, é um filme pretensioso. Que planeja ocupar o mesmo panteão de obras imortais da cinematografia francesa.
O filme usa e abusa da dramaturgia minimalista calcada pela nouvelle vague. Enquadramentos excelentes ressaltam a sensação de solidão enquanto uma decupagem minuciosa tem o trabalho de tornar as intenções pouco claras. É por seguir tão piamente esse conceito que o filme quase comete um de seus maiores pecados. Somente por um plano muito breve que fica evidente que a protagonista é, de fato, “a”. Claro que mais tarde fica bem exposto esse conflito, mas por muito tempo nos perguntamos o porquê de certas ações demasiadamente sutis.
Felizmente, o filme conta com um roteiro forte para manter ele no trilho. Ele consegue, em toda a cena, de maneiras sutis, ressaltar a questão sexual. Seja por uma brincadeira entre as irmãs ou por causa do bebê prestes nascer, a questão está sempre borbulhando na superfície. O que facilita a compreensão da gramática precisa. Por mais tradicional que seja o roteiro, é extremamente bem escrito. É ele que leva um dos maiores méritos do filme: de ser leve e rápido. Raramente um trabalho tão contemplativo consegue prender a nossa atenção durante muito tempo, “Tomboy” faz isso do início ao fim.
Ainda tem um último aspecto do filme que merece ser elogiado: as atuações. Com um elenco feito majoritariamente de crianças se torna ainda mais impressionante enxergar tanta verdade nos personagens. Por mais que os meninos estejam muito bem, são as meninas que roubam a cena. A irmãzinha e o namorico da garota se encaixam muito bem nos seus papéis. A garota que faz a personagem principal possui um ar andrógino adorável e manda ver de ponta a cabeça.
Muito mais do que um filme muito bem realizado, “Tomboy” é um filme adorável muito bem realizado. Seu apelo vai muito além da mensagem que quer passar, a profundidade de sua trama é detectável por todos tipos de pessoas. Ele transcende o sub-gênero em que se insere. É um resgate de um “cinema novo” que consegue fazer ele muito mais acessível.
