sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Um Hieróglifo Animado

Meses atrás, a convite de um amigo, eu estava prestes a vivenciar o que mudaria completamente a minha percepção sobre o que é uma peça teatral impecável. "Vivenciar", sim, porque Cartas de Rodez não é coisa para simplesmente ser assistida. Montada pela Cia. Amok pela primeira vez em 1998, ano em que recebeu o prêmio Shell de Teatro de melhor direção (Ana Teixeira) e atuação (Stephane Brodt), o monólogo impressiona até hoje pelo esmero e profissionalismo da equipe. Assisti-lo é ter acesso a uma torrente de surpresas, indagações e sensações.


Num fim de tarde de uma sexta-feira fui ao Teatro Escola Sesc, na divisa Barra – Jacarepaguá, onde se apresentam, no Rio, os participantes do projeto Palco Giratório, só para assistir à peça do Amok. Foi mais de uma hora de viagem, com direito a trânsito de hora do rush, mas posso dizer que valeu a pena. Imagine a sensação que dá chegar a um teatro com capacidade de 600 lugares e descobrir que apenas cerca de 30 pessoas poderão assisti-la, já que o público assiste a tudo sentado no palco, praticamente dentro da cena. Esta é a mágica desse e de outros espetáculos do Amok: nossa proximidade à magnitude do trabalho de ator.


A peça foi escrita baseada nas cartas do poeta, ator e dramaturgo francês Antonin Artaud ao seu psiquiatra, doutor Ferdière, durante sua internação no manicômio de Rodez. Por meio de estímulos visuais, sonoros e quase táteis, testemunhamos o questionamento à sociedade e suas regras. Artaud, após anos de tratamento em manicômios que o deixaram na condição, como ele mesmo diz, de “um cadáver vivo”, é transferido para Rodez a pedido de Ferdière, um admirador de seu trabalho enquanto poeta. Estabelece-se, então, uma relação dúbia contada por Artaud por meio de suas cartas, seu único recurso para manter a lucidez entre os tratamentos de eletrochoque prescritos pelo médico.


O cenário com poucos mas precisos elementos e a iluminação sombria transportam ao desespero do poeta e ator, mas fazem a vez de meras cerejas de bolo em meio à atuação estonteante de Stephane Brodt. Ela é genial, pensada com base nos preceitos de Artaud e de seu contemporâneo Etienne Decroux, que acreditaram na importância do ator em trabalhar o corpo rigorosamente, daí a comparação do ator a um "hieróglifo animado". Cartas de Rodez não é apenas uma peça, é uma experiência que deu certo. Falar dos espasmos, suores, rugas e vermelhidões não é suficiente. É preciso ver de perto para se admirar e comprovar que qualidade não é sinônimo de entradas que custam o mesmo que uma carteira de luxo – sua catarse pode ser de graça.


Cartas de Rodez estará este mês em apresentação única no Espírito Santo. A sessão é gratuita e concorrida, então é melhor ligar antes para o teatro e reservar o seu ingresso. Para saber quando a Cia. Amok estará na sua cidade, consulte a programação do projeto Palco Giratório.

CARTAS DE RODEZ
Única Apresentação: 22 de Janeiro, às 20h
Teatro Carlos Gomes
Rua Treze de Maio 78, Centro, Vitória – ES

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