
Não foi à toa todo o alarde durante o último Festival do Rio a respeito de Precisamos Falar Sobre o Kevin ("We Need to Talk About Kevin", EUA, 2011), tampouco exagerada a indicação de Tilda Swinton para o Globo de Ouro por melhor atuação em drama. O longa de Lynne Ramsay não se limita a estender às telas o livro "inadaptável" do fenômeno literário chamado Lionel Shriver; ele tem seu rumo próprio. Nada nele é sem propósito e cada cena tem lugar fundamental na narrativa, embora quem tenha lido o livro possa sentir falta de uma coisa ou outra.
A estranheza que a primeira cena provoca se mantém o tempo todo. A personagem, ainda solteira, divertindo-se no meio de um molho humano, durante a Tomatina (a guerra de tomate da Espanha), chega a dar a sensação de inevitabilidade do futuro. Contrariando tudo o que se espera do tema (um massacre ao estilo Columbine), temos aqui uma obra isenta de sensacionalismo, seguindo os moldes adotados pela autora do livro. E mesmo que o roteiro seja mera cópia da versão literária – ainda que com cortes e alterações potencialmente enervantes e até significativos – a solução adotada para não recorrer a litros de sangue falso foi muito boa: assim como na obra de Lionel, no filme de Lynne a violência tem presença constante através de elementos como, no menos criativo dos casos, o simbolismo.
O clichê da criancinha diabólica é aplicado como arremate do conjunto, para moldar a personalidade do jovem psicopata Kevin. A utilização de flashbacks marcados por cortes de cabelo diferentes funciona muito bem e mantém certo grau de fidelidade à organização da obra original, cumprindo o papel de contar, com fluidez, a tentativa de Eva de retomar a vida após a atrocidade cometida pelo filho. É uma pena que, enquanto no livro as palavras finais de Eva, mãe de Kevin, dão o toque revelador, no filme, toda a reflexão possível sobre o "amor de mãe" se resuma a uma mera ação. Em outras palavras, os pensamentos de Eva ficam melhores em papel que em tela de cinema.
Afastando-se da expectativa comum, o clímax do filme não está nas cenas finais, quando Kevin consuma seu plano de chacina. O auge está lá para o meio da narrativa, quando nossas esperanças de ver o garoto se tornar uma criança mais amável morrem junto com as de Eva. A partir daí, tudo o que resta é a aceitação de estar assistindo a um thriller e que, bem, um final feliz já tinha mesmo sido descartado pela sinopse. A atuação dos meninos que interpretam Kevin em suas várias fases de vida é notável, com um leve destaque para Ezra Miller (Kevin adolescente), considerado um dos 55 rostos do futuro. Ele merece, tanto pelo talento quanto pela beleza.
Tanto o filme quanto o livro, embora tenham como pano de fundo um massacre escolar, não se limitam a reforçar o consenso de que fazer isso é mau. Não, são muito mais que isso; Precisamos Falar Sobre o Kevin é sobre uma conversa que nunca aconteceu como deveria e as consequências dessa ausência. Embora seja extremamente incômodo, quanto mais incomoda mais prende a atenção. E ter sido inspirado numa obra-prima que se destacou durante algum tempo nas livrarias já ajuda a fazer deste filme um dos melhores atualmente em cartaz.
