A aproximação da obra de Jorge Luis Borges – o maior escritor argentino do século XX – e de Luis Fernando Verissimo – o cronista do cotidiano descontrolado – resume-se, basicamente, à comunhão de suas paixões. Não há como disfarçar a necessidade de Verissimo de encaixar, como que por vício, sua conexão quase que espiritual com os mistérios e a incompreensão – atribuídos à obra de Borges. “Borges e os Orangotangos Eternos”, para começo, é um tratado sobre estilo. A irreverência de Verissimo, entretanto, contribui para que, ao mesmo tempo, acompanhemos não apenas os desenlaces da trama a qual nos subtemos, mas, sobretudo, para que a estética se sobressaia ao formato narrativo dos thrillers de mistério.
Vogelstein é um professor e tradutor gaúcho fascinado por Edgar Allan Poe e, ao ser convidado para participar de um congresso sobre o escritor americano em Buenos Aires, parte para a capital argentina com a missão de ver de perto, pela primeira vez, um congresso literário com alguns de seus maiores ídolos, entre eles dois renomados comentadores da obra de Poe. Mas, como que por capricho do destino, Vogelstein encontra, no coquetel de abertura do congresso, sua maior referência (e ídolo) no mundo das letras – o poeta e escritor Jorge Luis Borges – mais um dos convidados do evento.
Um crime bárbaro, na mesma noite do coquetel, agita o evento e suspende o congresso, e Vogelstein, de repente, vê-se como um dos responsáveis por desvendar o crime ao lado de… Jorge Luis Borges. A coincidência e o dever satisfatório de encontrar-se com Borges durante as tardes em sua biblioteca apenas atiçam a necessidade de Vogelstein de desnudar, pouco a pouco, suas semelhanças e, naturalmente, sua deferência ante ao ícone que, entre chás e torradas, discute, lado a lado com seu maior admirador, o assassinato de Joachim Rotkopf, um dos eminentes críticos e palestrantes do congresso sobre a obra de Poe.
Verissimo não aponta clichês nem constrói personagens que figurariam, a priori, em um catálogo de mocinhos e bandidos das histórias triviais de detetives. A missão, aqui, é comentar, ao seu modo, a missão do escritor; mais: seu papel frente aos acontecimentos e acasos do mundo. O escritor, antes de tudo, carece da necessidade de obter um papel regulador; uma visão parcial e opinativa que não tem a obrigação de soar crível para o leitor. E, assim, Verissimo envereda pelos sentidos das obras de dois ícones da literatura que, por dividirem a paixão pelo mistério, subtraem do cotidiano comum uma parcela representativa de fantasia, imaginação e paixão pelos livros.