
Scorsese é o que se pode definir como um cineasta completo. Diretor e produtor, exímio nas ficções e nos documentários, não é de se espantar que ele tenha também grande sucesso na hora de adaptar biografias. Entre elas está o clássico “Touro Indomável” (Raging Bull - EUA, 1980), que conseguiu dois Oscars, incluindo o de melhor direção. O longa é uma adaptação do livro homônimo que conta a história do ex- pugilista peso-médio Jake LaMotta, conhecido como "o touro do Bronx".
O roteiro é muito linear. Caminha pela história do lutador de acordo com sua ascensão na carreira e degradação na vida particular. Seu forte temperamento, energia excessiva, violência e possessivíssimo foram motivo para as duas vertentes. Além da direção, Scorsese brilhou por dar ouvidos a um amigo: Robert De Niro foi o responsável por interpretar LaMotta impecavelmente. Antes disso, ele teve que provar ao diretor que a história era suficientemente boa, o que levou o ator a treinar um ano de boxe com o próprio pugilista. Esta foi a quarta parceria de oito entre Scorsese e De Niro. Talvez a mais importante, já que, como amigo, o ator foi fundamental para a recuperação do diretor, que ficou entre a vida e a morte diante de um vício por trabalho, cocaína e medicamentos pesados.
Em mais um esforço de DeNiro, as filmagens de “Touro Indomável” foram interrompidas durante dois meses, período em que o protagonista engordou 25 quilos para interpretar LaMotta em sua plena aposentadoria. As gravações eram tão intensas que De Niro chegou a quebrar uma costela de Joe Pesci durante uma cena de luta que compôs a edição final do longa. Os efeitos sonoros dos socos foram produzidos com o som de tomates e melões sendo marretados em um movimento que amplia a voracidade das cenas de ação. O sangue, elemento corriqueiro no filme, foi feito com uma calda de chocolate, aproveitando que a obra foi praticamente toda concluída em preto e branco (salvo pelas filmagens caseiras do próprio LaMotta, inclusas), ideia do o veterano cineasta inglês Michael Powell a Scorsese.
Com uma produção caprichada, que abusou das atuações e dos detalhes, buscando sempre o realismo, “Touro Indomável” tornou-se referência. O longa foi importante também para sacramentar um período de maturidade do diretor. Enquanto alguns como Spielberg e George Lucas procuravam uma abordagem que voltasse ao leve e feliz, Scorsese se empolgou com uma história biográfica que se convertesse em um monumento seco do seu estilo. Com ternos elegantes, lutas violentas e sengue vazando na seda, ao embalo de trechos de ópera e bossa nova, o clássico estava cravado.
Olhos abertos! O filme deve voltar a ser bem comentado diante de uma provável continuação que vem sendo estudada desde 2006, baseada na no livro Raging Bull 2. Dessa vez, a direção deve ficar por conta do argentino Martin Guigui.