
O cinema japonês, em sua maioria, é muito competente em extrair ao máximo seus recursos por mais escassos que sejam. A sensibilidade e o rigor impresso em cada uma das cenas encantam pessoas que buscam longas mais artísticos e profundos. Mesmo acostumado com esses elementos, as vezes pegamos um filme que surpreende, e foi assim com Pai e Filha (Japão 1949) de Yasujiro Ozu, considerado o diretor mais japonês entre os japoneses.
Preocupado com sua filha Noriko, que está com 27 anos e precisa casar para constituir sua família, o viúvo Somiya finge estar se casando novamente para que a filha siga seu destino. O sacrifício da filha é por um simples motivo: a vida com seu pai é tão serena e tranquila que ela tem medo de que esses momentos acabem.
O “tom” deste filme é extremamente melancólico, mas não só pelo que vemos na tela, mas sim pelas conclusões que se passam pela nossa mente durante os dias seguintes. O cinema de Ozu é conhecido pelas indiretas e múltiplas mensagens que exigem do espectador uma própria interpretação, dando margens a debates quando a projeção acaba. Somente o próprio diretor poderia dizer com exatidão o que se passa nos sentimentos de cada personagem.
O que fica bastante claro é que em nenhum momento Somiya quer que Noriko se case para se afastar dela, pensando apenas no bem estar e no futuro da filha. Outro ponto interessante é que o marido dela nunca aparece em cena, mas é apresentado sendo semelhante ao ator americano Gary Cooper, aguçando a curiosidade do espectador.
A última cena do filme é surpreendente e reflexiva. Caso não queira spoilers, pule para o próximo parágrafo. Somiya retornando do casamento da filha começa a descascar uma maçã e chora como nunca com a cabeça abaixada. O que Ozu quis passar? Esse choro era de alegria ou de tristeza? Ele cumpriu o seu dever de pai, mas era isso mesmo que ele queria? Talvez expresse sentimentos paradoxais que nem mesmo o próprio personagem consiga entender, afinal, o ser humano é inconstante e nem sempre sabemos nos posicionar diante das situações.
Pai e Filha é belíssimo. De produção pobre, mas um dos mais ricos trabalhos sobre a natureza humana. Poético, profundo, reflexivo e melancólico, é um filme para toda a vida. Obrigatório para os fãs do cinema cult.