Guarde as caixas de cereal; proteja suas garrafas vazias de plástico e conserve os potes velhos de iogurte. Pérolas falsas, penduricalhos e até bonecas decapitadas – tudo é arte nas mãos de Vik Muniz. O projeto que previa a reutilização do lixo despejado no aterro sanitário Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, transformou a matéria descartada em arte e, consequentemente, revolucionou a vida dos personagens de Lixo Extraordinário ("Waste Land", Brasil/Reino Unido, 2009), que agora concorre ao Oscar de Melhor Documentário.
Vik Muniz é, como ele mesmo diz durante o filme (e sem nenhum toque de arrogância), o maior artista plástico brasileiro fora dos domínios tupiniquins. Seu trabalho é reconhecido mundialmente por sua característica primordial – o uso de matérias-primas inusitadas na construção de uma obra de arte. A grande obra da carreira de Vik, mesmo após a revolucionária representação da Monalisa de Leonardo da Vinci em manteiga de amendoim, nasceu da necessidade do artista de reaproveitar absolutamente tudo que, a princípio, não figuraria como arte dentro do pernóstico mundo de marchands e milionários. A solução? O lixo.
Para tanto, criou-se a necessidade de encontrar algo que representasse o lixo na sua forma mais pura, mais precisa, mais exata. E, sendo assim, nasceu a ideia de utilizar o maior aterro sanitário da América Latina – Jardim Gramacho, como ponto de partida do projeto, pois, como Vik mesmo diz, há, num aterro, não apenas o lixo descartado como um todo, mas, na essência, um quadro perfeito do abandono e do descaso da sociedade, traduzidos, naturalmente, na figura daqueles que se tornaram os personagens do documentário: os catadores de lixo.
Os personagens de um documentário, por essência, devem traduzir, a partir de suas histórias e experiências, o sentimento que é intrínseco ao sentido do filme. Explicando melhor: um documentário só existe a partir de seu fator humano. E, em Lixo Extraordinário, o que não falta é um passeio coloquial e intuitivo nas vidas desses personagens; os catadores que, a convite de Vik, posam de modelos para as fotografias no lixo e ainda participam da montagem das obras no ateliê do artista. Trabalho que, naturalmente, modificou permanentemente as vidas dessas pessoas.
Vik Muniz diz não acreditar na estagnação após o momento em que se vê o mundo com outros olhos. A experiência de visitar o novo, e, sobretudo, um novo que represente algo melhor, é passo fundamental para ambicionar passos mais largos. Não há resquício de prepotência no comentário, entretanto. Sobra, na verdade, a pureza de revolucionar pequenos universos. Não há, na revolução, sentido nem necessidade mais precisos do que transformar, despretensiosamente, um pedaço de chão, um dia qualquer ou a vida de alguém.

