
Ainda desconheço o motivo do esquecimento, por parte da
sociedade latino-americana, de nossa história, nossos heróis e artista. Nelson
Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Salvador Allende, Victor Jara, Violeta Parra,
tantos outros que são lembrados apenas em rodas de discussão de intelectuais.
Onde está a nossa memória? Enquanto esquecemos quem somos e de onde viemos,
somo chafurdados por informações vindas do hemisfério norte. O problema não
estão nas informações absorvidas, mas na substituição daquelas por estas,
esvaindo o que temos de mais precioso: a nossa identidade cultural.
Como já se tornou recorrente, também esquecemos (ou
desconhecemos) o cineasta chileno Patricio Kaulen (1921-1998) e um dos grandes
clássicos do cinema latino-americano, Longa
Jornada (“Largo Viaje”, 1967, Chile). Trata-se de uma severa crítica à
sociedade chilena contrastando a rica e moderna Santiago com a pobreza das
periferias. Um grupo de pessoas, “invisíveis” para o governo e para as classes
mais abastadas, tentando sobreviver numa cidade hostil, dura e implacável.
Mesmo seguindo o caminho traçado pelos mestres do Neorrealismo Italiano, Kaulen
demonstra seu talento ao não se ater ao escapismo (morte) como solução.
A ingenuidade e as peculiaridades dos rituais dos campos
também fazem parte da história, apresentando o Chile ao chile. O enredo se dá a
partir de uma cerimônia fúnebre conhecida como “El Rito del Angelito”. Segundo a tradição campesina, quando morre uma criança menor de três anos, seu corpo é adornado
com um par de asas feitas de diferentes materiais, túnica branca e, em suas
mãos, um buquê de flores. Uma grande festa é celebrada com muitas orações,
vigília, comidas e bebidas (também alcoólicas), em abundancia, e muita música.
Acredita-se que não possui pecado por ter ido tão cedo. Sendo assim, não há
motivos para lágrimas.
A Longa Jornada acontece quando o corpinho de uma criança é levado
para o cemitério sem suas “asas”. Seu irmão, um menino de oito anos, com medo
que o angelito não consiga chegar ao
céu, cruza a cidade a fim de devolver as asas. Aí vemos o quão cruel pode ser
uma “grande cidade” com seus “pequenos”.
Sem dúvida, temos aqui uma obra cujo valor é incalculável. Influencias do movimento italiano e de Luis Buñuel são percebidas nesta incrível obra. Uma forte demonstração do desequilíbrio social dos anos sessenta, mas que ainda pode ser visto atualmente.