
"Antigamente, se bem me lembro, minha vida era um festim no qual todos os corações exultavam, no qual corriam todos os vinhos. Uma noite, sentei a Beleza em meus joelhos. - E achei-a amarga. - E injurieir-a."
O jovem Rimbaud pode ter escrito tais versos há mais de um século atrás, e ainda assim, o tempo não tirou da memória coletiva suas palavras. O mesmo acontece com o roteiro de Amor (Amour, 2012, França, Alemanha, Áustria), o mais novo filme do brilhante diretor Michael Haneke possui diálogos no nível das grandes poesias e contos. Dignos de serem citados e recordados. Com o poder de mostrar o amor do lado belo e de bom odor da moeda, e o outro: sujo e cruel.
O filme conta a história da aposentada professora de piano Anne (Emmanuelle Riva) e seu companheiro, marido e amigo de décadas Georges (Jean-Louis Trintignat). O amor e afeto entre os dois é quase palpável através da tela. A construção da relação entre eles é maravilhosa, e é quase impossível não adoecer junto com Anne, quando ele começa a enfraquecer de saúde. - Somos transportados para a realidade desse doce e intelectual casal, como se fôssemos um de seus filhos preocupados e ansiosos por notícias.
A direção de Haneke exibe suas características câmeras de corredor, colocando-nos exatamente aonde ele quer. Nervosos para saber o que se acontece por trás das portas que a câmera não entra. Assim, com brilhantes atuações e um lindo apartamento, o vislumbre fílmico a nossa frente é maravilhoso. Um presente para a cinematografia mundial e para os corações frios. - Todo meu amor por histórias com pessoas da terceira idade só aumentou depois desse. Para todos os cineastas por aí que só fazem e têm ideias com personagens jovens, estão a perder um interessante mundo experiente e belo.
"Armei-me contra a justiça. Fugi. Ó feiticeiras. Ó miséria, ó ódio, a vós é que foi confiado o meu teseuro! Tudo fiz para que se desvanecesse em meu espírito a esperança humana. Como um animal fezo, investi cegamente contra a alegria para estrangulá-la. Conjurei os verdugos para morder, na minha agonia, a culatra de seus fuzis. Conjurei as pragas, para afogar-me na areia, no sangue. Fiz da desgraça a minha divindade. Refocilei na lama. Enxuguei-me ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura."
