
Caminhava
pelas ruas de Londres ao som de boa música folk quando me veio um estalo. Espere,
não é disso que eu deveria falar. Ok, ok. Aqui, no pé do seu ouvido, bem
baixinho. Ainda me ouve? É segredo o que estou prestes a contar. Você promete
indicar para todos seus amigos? Então tudo bem, vou dizer qual é o melhor filme
de 2010. Esqueça Oscar, Cannes e Berlim. Este aqui promete virgens (de qualquer
sexo) e boas risadas.
Four Lions (“Four Lions”, 2010) é uma excepcional e polêmica comédia de humor negro dirigida por Christopher Morris (conhecido na Inglaterra por tratar assuntos delicados de maneira inteligente e engraçada), escrita por Jesse Armstrong, Sam Bain, Simon Blackwell e também pelo próprio diretor. Eles tratam um tema tabu que é o terrorismo de forma perversamente cômica. Não deixando pedra sobre pedra, literalmente. Foi preciso quatro gênios para dar vida a essa maravilhosa bomba relógio. Eu diria e aviso, que pode ser altamente nocivo para uns, enquanto para outros a explosão pode ser de felicidade. Este filme transforma terroristas em palhaços e ainda assim leva o assunto a sério. Um circo poeticamente cômico de primeira. Como atingir tal moderação? Muito trabalho e talento, talvez.
Um grupo de
quatro desempregados de origem paquistanesa resolve buscar um novo sentido em
suas vidas. O Jihad islâmico então parece ser a solução. E como colocar em prática
sua fé? Explodindo uma mesquita e radicalizando os moderados mulçumanos. Barry
(Nigel Lindsay), Omar (Riz Ahmed), Waj (Kayvan Novak) e Faisal (Adeel Akhtar) são
os quatro leões na savana inglesa, animais preocupados mais com a vida divina,
esquecendo a de agora e das outras pessoas. Feras com astigmatismo, visão
embaçada do hoje, foco no longe e não palpável. Os personagens vão se perdendo
em si mesmos, tentando ouvir coração e razão para o que estão prestes a fazer.
Algo tão
estúpido como terrorismo só poderia ser praticado por idiotas e essa é uma das
questões principais do filme. Muitos acreditam em um céu, poucos têm a coragem
ou a falta de massa cinzenta do cérebro para explodir a si mesmo na intenção de
chegar lá em cima mais cedo. Com respeito às religiões, porém quais os limites
da prática do que se acredita? Não falo de mulçumanos especificamente, mas de
radicais extremistas no geral. Até onde se pode chegar para mostrar/provar um
ponto de vista? O perímetro se isola quando há outra pessoa envolvida. O que acreditamos
está dentro e sai apenas pela boca, não através da violência. Nossa arma é a razão
e é ela que devemos usar com mais frequência.
Você ri, fica triste e reflete. Um triângulo de sensações num roteiro brilhante. Ele faz você sentir tanta coisa que o abdome dói e a vista cansa. A gente então limpa os olhos para ter certeza do que acabou de ver. Deixa subir os créditos ao som de Aphex Twin – Avril 14h e as mãos e pernas tremem um pouco. Não é fácil acreditar que se acaba de ver “apenas uma comédia”. Four Lions é inclassificável em gênero, ao ranking de 2010 ele sobe com a medalha de ouro e lembre-se, tudo isso é segredo.