sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Gaiola é de Madeira Frágil

Quatro anos após render um Molière (o maior prêmio francês de teatro) para o diretor John Malkovich, O Bom Canário (“Good Canary”) renasce, como fênix, das cinzas deixadas pelas montagens brasileiras anteriores. Provando que também é possível refletir e pensar no Brasil – ao contrário do que parece pregar a maioria das produções teatrais – o espetáculo não é do tipo para ser assistido sozinho: após o agradecimento dos atores, se não estiver muito ocupado segurando algumas lágrimas ou controlando um aplauso efusivo, você vai querer conversar... e muito.



Fazendo jus ao texto brilhante de Zach Helm (roteirista de “Mais Estranho que a Ficção” e “A Loja Mágica de Brinquedos”), a tradução de Mauro Lima é precisa e livre da artificialidade típica das adaptações. Não faltam nem sobram palavras para contar a história do romancista Jack (Joelson Medeiros), de futuro promissor, e sua esposa Annie (Flávia Zillo), viciada em anfetaminas após uma adolescência um pouco acima do peso. Conduzida por uma trilha sonora felizmente contida, que não peca pelo drama excessivo, a história é contada em ritmo cinematográfico e com desfechos eficientes.

Foto: Paula Kossatz (divulgação)
A necessidade de se esconder das próprias emoções e desconforto é com certeza a maior responsável pelos risos (e até gargalhadas) da plateia, mas deixemos alguma parcela do mérito para Érico Brás. Por meio dele, o editor da indústria literária pornográfica Charlie ganha um ar cômico mesmo nas cenas trágicas; seus trejeitos e olhares fazem o personagem sobressair. Por outro lado, a dona de casa Annie seria mais marcante se Flávia Zillo permitisse uma modulação maior em sua voz. Uma das dádivas de atuar num teatro pequeno é poder brincar com volumes de voz e ainda assim ser ouvido até a última fileira do teatro. Fizesse isto e sua atuação seria ainda mais crível, aliada à expressão corporal já afinada e autêntica.

Foto: Paula Kossatz (divulgação)
O cenário, indicado ao prêmio Shell de 2011, é uma admiração à parte, embora não seja arrebatador. Com todos os elementos presentes o tempo todo, basta trocar isso e aquilo de lugar e vamos de uma editora a uma sala de estar. Usando a mesma linguagem realista pela qual optaram Rafaela Amado e Leonardo Netto na direção, a rearrumação dos objetos não é feita pelos atores em cena, mas pelos personagens. Muito interessante de ver.

Foto: Paula Kossatz (divulgação)
O Bom Canário é uma peça que nos faz segurar o fôlego como se qualquer barulho fosse capaz de interromper a cadência das palavras. Provoca reflexões sobre os padrões da sociedade ao falar de loucura, ambição e individualidade. O que acontece quando ignoramos nosso próprio julgamento de certo e errado e dizemos “sim” a algo cuja única resposta plausível seria um bom e sonoro “não”? Numa onda de investigação da condição humana encadeada pela peça, em algum momento você felizmente vai lembrar que a gaiola é de madeira frágil e portanto não impossível de atravessar.

O BOM CANÁRIO
Até 4 de Março
Quinta a Sábado às 21h, Domingo às 19h
Teatro Poeira
Rua São João Batista, 104, Botafogo. Rio de Janeiro–RJ

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