quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Steampunk para surdos


Se prepare para encarar o letterbox mais uma vez com O Artista (“The Artist”, França/ Belguim, 2011). Favoritão do Oscar, ele mostra que é bem diferente de qualquer filme que você possa ter visto nessa década ou século. Um meio termo tênue entre uma viagem nostálgica e um tratado acadêmico. Existe de fato algo de especial nesse filme que torna ele merecedor da atenção da Academia. Com reações abrangendo as mais diferentes caretas do cinema mudo, o brilhantismo fica em conta muito mais de uma idéia bem concebida do que em uma execução engenhosa.


Podemos apontar um motivo bem claro para o triunfo cinematográfico de O Artista: estética. A idéia de um astro de cinema que tem que se apaziguar com os tempos que mudam já foi visitada antes por Hollywood, mais memoravelmente em “Cantando na Chuva”. A diferença é que, assim como Bela Lugosi, o filme veste inteiramente esse estilo pré-talkie. Os longos (e parados) títulos de introdutórios dão uma dica, senão, a tela quadradona com o espaço de uma quadra de tênis acusa. Esse é talvez o último filme mudo que exista.


Decerto, é uma novidade à moda antiga de que muitos vão gostar, mas faltou a coragem de ir longe demais. Por mais que o estilo old-school seja quase hegemônico em O Artista, ainda existe espaço para idéias novas. O som chega a ser utilizado em duas cenas quase que sintagmáticas, que, por mais que divertidas, contaminam toda a estética. Isso combinado a um uso de câmera que diverge da dramaturgia clássica faz transparecer alguma novidade para toda aquela mise en scene. É estranho ver John Goodman em preto e branco e sem voz, mas não é isso o que põe o filme em xeque. O ponto crucial é como o novo e o velho se mesclam, às vezes eles fazem isso bem, outras horas parece que nenhum dos dois fala por si só.


O roteiro também não reinventa o gramofone. Claro, é divertido ver como situações se resolvem sem o apoio do áudio, mas ainda é a boa e velha receita hollywoodiana. O caráter do protagonista é mantido desde a primeira cartela, o que é um testamento a excelência do trabalho feito aqui. É um roteiro inteligente e bonitinho, com algumas (uma) tiradas bem inteligentes. Seja falado ou mudo, o melodrama tem uma maneira de falar por si só, e não há por que mudar o que funciona.


É inusitado e até perfeitamente compreensível as apostas da Academia nesse underdog. Em um momento em que a indústria precisa se reformular é normal ela querer premiar inovações ao mesmo tempo que quer retomar seus tempos áureos. Confesso que sempre estimei filmes dignos da estatueta como divinos, algo que não enxerguei nesse artista. O que pode ser visto também como um sinal de que os deuses chegaram ao seu crepúsculo.

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