quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Filmerretrato



Cidadãos no Japão, alemães em Berlim, ursos lambuzando-se no mel. Eles tem uma coisa em comum: todos fazem. Bem menos poético que Chico Buarque com Elza Soares, Brandon Sullivan também faz. Por impulso, com força, sem limites. Assim é o personagem, e assim é Shame (Inglaterra, 2011), de Steve McQueen.



Graças ao magnetismo e versatilidade do ator alemão Michael Fassbender ("Bastardos Inglórios", "X-Men: Primeira Classe"), um olhar de Brandon Sullivan vale mais que palavras. Ele não é má pessoa, ele veio de um lugar ruim. Na procura interminável por prazer, ele teria contrações involuntárias a cada vez que cantassem o refrão “New York, New York” no mundo se não conservasse um mínimo de autocontrole. Na faixa dos 30 anos, Brandon é viciado em sexo. E tudo talvez continuasse mais ou menos moderado, se sua irmã – que também não é má, mas veio do mesmo lugar ruim – não se mudasse de repente para o seu apartamento.


Sem mistério ou pudor, tudo no filme é construído para apresentar o personagem e mostrar sua relação com o mundo. Não há uma super história por trás nem uma mega mensagem sobre a qual refletir; o vício é o fato, como numa matéria de telejornal que se permite tiradas artísticas. O filme não está para contar uma história, mas para expor um personagem; ou melhor, Brandon é a história. Os primeiros 10 minutos são uma boa adaptação da sinopse, introduzindo a condição do personagem em cenas de planos que, não fosse pelo adiantamento de Gus Van Sant em "Elefante", seriam originais.


A conversa de Brandon com a irmã Sissy (Carey Mulligan) de costas, filmada em plano sequência, contribui para o clima underground, de “coisa proibida”, sendo mais um degrau até o final que contraria manuais hollywoodianos. Shame é cru, sem excessos de narrativa ou de roupa. Certamente dividirá opiniões, o que não vai incomodar o diretor – caso contrário, uma das cenas mais “quentes” não teria sido filmada durante o dia, enquanto uma rua movimentada de Manhattan assistia às gravações e acenava para os atores nus entre um take e outro.


Sem ser rude ou cruel, colocando-nos na posição de voyeurs de um vício sem fronteiras, o filme nos atiça. É o retrato de um personagem que, moldado pelas suas experiências, não controla suas necessidades. Um retrato que, embora sem pretensões à la Steve McCurry, igualmente não precisa de muitas palavras para dizer muito, já que intriga e captura a atenção pela capacidade de, ao mesmo tempo, não dizer muita coisa explicitamente, abrindo espaço (e que espaço!) para a nossa própria interpretação.


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