
É o último
dia antes de partirmos para a Terra dos Beatles. Desventuramos-nos pela viagem
da vida, sem asas e com nenhum colete a prova de balas. Então às vezes a gente
precisa descobrir o que não se pode praticar para só então fazermos. Criminosos
de mente sã. Termino de arrumar as malas e olho por cima do ombro. A Dinamarca
se despede com uma excelente comédia trash, humor negro de primeira: Na China Eles Comem Cachorros (“I Kina
Spiser de Hunde”, 1999).
Este filme
é dirigido pelo também coordenador de dublês Lasse Spang Olsen e escrito pelo
ótimo roteirista Anders Thomas Jensen. Sua duração é relativamente curta, mas cheio
de voltas interessantes e renovações de atenção, quando você pensa que tudo
está resolvido... Espere mais um pouco, há muito por vir e detalhe para a
trilha sonora totalmente nada a ver, no melhor sentido, é claro.
Arvid
(Dejan Cukic) é um ser humano extraordinariamente comum, trabalha em um banco
na parte de empréstimos, não suporta quando sua namorada suja as coisas e tem
aparência esquecível. Sua vida muda drasticamente quando seu local de trabalho
é assaltado, mas com uma raquete de tênis ele acerta o ladrão e vira notícia. O que seria a trajetória de um herói, torna-se uma jornada de adversidades, no mínimo, curiosas. O primeiro passo para a mudança é encontrar-se com seu irmão Harald (Kim Bodnia), criminoso e dono de um restaurante.
Apesar do apelo cômico, a história pode ser lida de diferentes formas. O que para
muitos pode ser apenas um gás do riso, eu vejo elementos químicos diferentes.
Não é tentar forçar nada, é realmente possível pescar um ou outro assunto nas
entrelinhas. O filme tente mostrar, por exemplo, como os irmãos são completamente diferentes, mas aos
poucos vamos vendo como eles se parecem mais até do que gostariam. Ser
meigo e agressivo todos têm um pouco. Se somos de mundos díspares, ainda vamos pertencer ao mesmo universo, colidindo ou não.
Termino de escrever enquanto encaro a janela, olho sem atenção para as imagens atingindo meus olhos. O trem já começa a partir. Vou lembrando cada dia, cada filme. Os ingressos guardados na mala e as sensações no peito. Começamos com romance, refletimos, falamos de humanidade e família. E terminamos com um sorriso nostálgico. Não daqueles que apenas nos prendem ao passado, mas do tipo “Adorei e quero mais”. O riso nervoso chega à garganta, mesmo tão violento o último filme alivia a alma. Um paradoxo interessante, a análise fica para a próxima. Isso não é teatro, mas está na hora de fechar as cortinas. Afinal, a Inglaterra é logo ali.