
Depois do grande desastre que foi o filme de guerra "Medo e Desejo", Stanley Kubrick tinha 27 anos quando estreiou seu segundo longa-metragem
A Morte Passou por Perto ("Killer's Kiss", EUA, 1955), um noir preto e branco (na época já havia negativo colorido, então esta foi uma escolha estética) sobre um pugilista e sua
femme fatale.
Numa Nova York noir, o filme conta a história de Davey Gordon (Jamie Smith), um lutador de boxe arruinado que espera numa estação de trem relatando eventos de três dias antes. Isso leva o espectador a um lindo flashback como em qualquer bom noir clássico. Vemos a mais recente luta de Gordon contra um brutamontes, no melhor estilo hipster de Kubrick que "já colocava a câmera no ringue antes de Rocky ser
cool". E é assim que conhecemos Gloria Price (Irene Kane), a linda e frágil vizinha, que precisa da ajuda de Gordon para se defender e finalmente se libertar de um malvado magnata rico. A trama é simples, mas a resolução...
...Tem umas das mais incríveis perseguições cinematográficas da história. A direção de fotografia do próprio Kubrick nos leva pelos corredores de prédios gigantescos e mal iluminados, num lindo balanço entre o claro e o escuro noir. Como se não bastasse, também vemos o horizonte nova-iorquino entre as corridas pelos telhados da cidade. Mas Kubrick vai além do óbvio e traz uma bailarina para um filme noir, que faz seu magnífico solo num teatro, enquanto Gloria relata a história de sua família, que não tem realmente muito a ver com ballet, mas que deixa o espectador a admirar, enquanto imagina o passado triste da menina.
E se você estiver pensando que isso tudo não pode ter sido só o Kubrick, mas toda uma equipe criativa, você está enganado, já que neste filme, Stanley Kubrick dirige, escreve, produz, fotografa e edita, na melhor definição de um
one-man show. Só faltava ele operar o boom, mas como nem ele tinha mãos suficientes e o boom atrapalhava as sombras da cena, ele demitiu sua própria equipe de som! E resolveu na pós, dublando tudo, desde efeitos sonoros até as vozes dos atores, inclusive mudando a voz da personagem da Gloria, por causa da agenda da atriz, que acabou sendo dublada por Peggy Lobbin. E devo admitir, que a dublagem passa despercebida, principalmente ao lado da linda trilha sonora de Gerald Fried.
Segundo filme do cineasta e
A Morte Passou por Perto já seria seu último trabalho com roteiro original. Uma linda obra-prima para exibir os talentos de Kubrick e dar um gostinho do que ainda viria a surgir em sua carreira cinematográfica.