
Stanley Kubrick estreou como cineasta aos 22 anos, quando começou a produzir alguns curtas-metragens. Foram necessários mais três até ele conseguir ajuda do seu pai (que penhorou a própria casa) e do seu tio, um farmacêutico rico, para financiar seu primeiro longa, Medo e Desejo (“Fear and Desire”, EUA, 1953). Com 25 anos e 10 mil dólares emprestados, Kubrick iniciava sua brilhante carreira. Mas nunca é simples no início. O diretor teve que acumular quase por completo as funções de produção, cinematografia e edição para fazer o filme sair. Mesmo com tanto esforço, mais tarde, o produto acabou sendo preterido pelo próprio autor.
A história começa com uma voz em off que avisa: "Existe uma guerra na floresta... E o inimigo não existe, a menos que nós o invoquemos”. Estamos em plena Guerra Mundial e nos encontramos com quatro soldados norte-americanos perdidos dentro das linhas inimigas. Eles não têm muito tempo, já que a área é constantemente monitorada. Desesperados e decididos a sair de lá, planejam sua única rota de fuga possível: o cruzamento de um rio cercado por oficiais inimigos. Enquanto esperam pelo momento certo, os problemas acumulam. Trata-se de uma trama com poucos tiros, mas bastante tenção.
A escolha por essa temática serve como ponto de partida para uma tendência que perseguiu Kubrick: os filmes de guerra, sempre com uma pegada crítica. Sua filmografia conta com cinco películas desse gênero, e várias outras que abordam o tema com muita intensidade, mas de maneira pouco direta, como os aclamados “Laranja Mecânica” e “2001: uma odisseia no espaço”.
Medo e Desejo é um trabalho bastante acanhado do diretor, que ainda não havia alcançado seu próprio estilo. Essa película pode animar os principiantes e incomodar os adoradores do mito Kubrick. Isso porque, os erros de corte, marcações modestas... Cada pequena falha dessa obra bastarda torna a lenda mais humana, passível de alguns equívocos e imperfeições métricas. Mesmo assim, é fácil notar que o filme não foi construído por uma pessoa comum. Certas opções de enquadramento e estética são formidáveis.
Foi por esses detalhes que, mesmo com a falta de rodagem (tanto de elenco como do diretor) e o orçamento limitado, o filme garantiu certa visibilidade ao então jovem cineasta. Alguns nomes de respeito acompanharam a exibição da película nos circuitos de cinema em Nova York e já arriscavam um futuro promissor à Kubrick. O filme também é lembrado por ser a estreia de Paul Mazursky, que se tornaria um notório diretor mais tarde.
Ainda que tenha dado boa repercussão, o próprio Kubrick rotulou Medo e Desejo como um projeto amador (e comparando às obras seguintes dá para entender o motivo). Ele teve vergonha suficiente desse projeto para comprar quase todas as cópias do filme, tirando-o de circulação. Felizmente, diante do forte apelo dos fãs e aficionados por cinema, as tentativas do diretor para reprimir o trabalho não foram totalmente bem sucedidos. O longa permanece praticamente fora de catálogo, porém é exibido algumas raras vezes em festivais e pode ser encontrado em locadoras especializadas com caráter de relíquia. Há alguns anos o filme teve sua primeira e única edição para DVD, em um box especial do diretor. Fora isso, é possível encontrar o trabalho sendo distribuído de forma ilegal pela internet e em DVDs piratas.