segunda-feira, 29 de abril de 2013

Viagem em Família


Primeira fileira, poltrona do meio, sala escura. O filme começa. Vejo O Iluminado ("The Shining", Estados Unidos, 1980) no cinema. Já assisti ao filme em outras duas ou três ocasiões. Todas em casa, na televisão. Lembrava de boa parte da história. Mas o impacto nesta revisita permaneceu o mesmo. Ou superior, com o auxílio da tela grande.


Aquela belíssima sequência inicial. Jack Torrance (Jack Nicholson) a caminho do Overlook Hotel. A câmera planando sobre a paisagem. Um rio, a estrada, o fusca amarelo. Kubrick já apresenta o cuidado técnico que lhe é comum. É impressionante o trabalho de câmera logo nos primeiros minutos. Ela voa leve, vertiginosa. Depois, a viagem de retorno ao hotel. Agora, Jack segue acompanhado de sua família, Wendy (Shelley Duvall) e Danny (Danny Lloyd), para o exílio em Overlook.


Alguns aspectos técnicos. A fotografia: a explosão sanguinolenta do elevador, as gêmeas (“vivas” ou mortas), o salão dourado, o carpete do hotel. O som do filme: o que dizer do passeio com Danny em seu triciclo? O ruído do contato entre roda e assoalho, em contraste com a suavidade do contato do brinquedo com o(s) tapete(s), enquanto a câmera segue o garoto, nos levando para a expedição de Danny pelos corredores inexplorados. A trilha sonora grave: um quase-personagem, essencial para a construção do suspense. A trilha aliada à um trabalho que não busca o susto fácil. Na verdade, mais importante que assustar o espectador, são os momentos anteriores – o suspense constante, a espera – os mais valiosos, como nos aferil o próprio Alfred Hitchcock.


Jack Nicholson. Jack Torrance já valeria um texto inteiro. A transformação da personalidade pelo olhar. Complementam a sobrancelha arqueada e o tom irônico com o qual se dirige à mulher e ao filho. Nicholson constrói um personagem complexo: em um primeiro momento, vítima – seja do hotel (uma entidade?) ou daqueles que por ali passaram – tem início sua transformação. O nervosismo frente à impertinência da mulher. Depois, consciente de sua missão em Overlook, torna-se ainda mais amedrontador.


Stanley Kubrick criou uma obra-prima, ainda que o autor do livro que a originou, Stephen King, não concorde – ele prefere a versão para TV, de 1997, a qual pôde supervisionar de perto. Metódico que é, Kubrick levou mais de um ano para completar só o trabalho na fotografia principal do longa. Shelley Duvall entrou em seu “inferno astral” durante a produção, com embates constantes com o diretor. Jack Nicholson não suportava as frequentes mudanças de roteiro. Tamanho perfeccionismo originou um trabalho exemplar. Um clássico em diversas categorias: do terror, do suspense, dos anos 80... Do cinema.

Filmes são como pessoas: alguns brilham, outros não.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...