
Há 40 anos nasceu o primeiro Kikito, o primogênito, e quem cuida dele até hoje é Arnaldo Jabor, pelo longa Toda Nudez Será Castigada (Brasil, 1973). Ao lado do solzinho sorridente, um amigo de infância: o Urso de Prata do Festival de Berlim, que garantiu o lançamento do filme no Brasil mesmo com a censura da época. Hoje, o cineasta e jornalista recebe a homenagem pelo seu filhote: o troféu Eduardo Abelin será entregue logo após a exibição do longa-metragem no Festival de Gramado. Para quem acredita em coincidências, tudo isto acontece no mês do centenário de Nelson Rodrigues, o gênio que escreveu o texto dramático que deu origem ao roteiro de Jabor.
Herculano, o representante perfeito da hipocrisia, um personagem que só poderia ter sido criado por um gênio literário como Nelson Rodrigues. Herculano, o viúvo que diz à prostituta: "Eu vou deflorar você depois do casamento". Risos. Uma vez apresentado a ela, ele se apaixona. Ela se chama Geni... ela dá pra qualquer um, maldita Geni. Mas não jogue pedra nela, jogue arroz na saída da igreja. Herculano se casa com Geni, e no meio do relacionamento está seu filho adolescente: Serginho, um menino delicado criado pelas tias beatas.
"Herculano, quem te fala é uma morta". Com um tino jornalístico, Geni antecipa o acontecimento principal. Herculano ouve toda a gravação que ela fez antes de morrer, enquanto ela dá o último suspiro; seu corpo largado nas escadas. A história é forte, envolvente, de causar rebuliço na censura. Questionadora, é arte com propósito, não-cínica, do tipo que carecemos atualmente. Não perde a função de entreter nem abre mão do papel contestador. Vindo de Nelson Rodrigues, não poderia ser diferente. E Arnaldo Jabor, para quem não sabe, é do mesmo barco. Dedicado a analisar a realidade nacional, adaptar às telas uma história sobre a hipocrisia latente das famílias tradicionais brasileiras (tema recorrente nas obras de Nelson) obviamente lhe seria tentador.
Em tempos recém saídos de radionovela, quando a formação teatral tinha mais força, é aceitável que tenhamos muitas demonstrações de atores que usam muito bem a voz mas esquecem-se do corpo. Em geral, as atuações do filme não são fluidas, ainda carregam um resquício de mecanicidade. Sem falar de algumas cenas que chegam a ser mal feitas, com erros de continuidade bizarros - a não ser que os personagens realmente se teletransportem. A atriz Darlene Glória, no entanto, é exceção. Não por acaso, sua Geni lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado. Mais um Kikito no mundo!