O cineasta português António Ferreira teve nas mãos a mesma dificuldade que o cineasta brasileiro Fernando Meirelles superou há um tempo atrás: transformar a densa literatura do escritor português José Saramago em cinema. Ferreira trabalhou o conto “Embargo”, do livro “Objecto Quase” e, assim como Meirelles, superou as expectativas ao construir tão bem essa ponte entre a prosa e a produção audiovisual.
O filme, homônimo do conto, conta a história de Nuno (Filipe Costa), um homem que trabalha em uma carrocinha de lanches e se vê diante de uma oportunidade que mudará sua vida. Sozinho, ele constrói uma máquina capaz de digitalizar com perfeição pés humanos, o que seria uma revolução na indústria de calçados. No entanto, quando lhe é dada a chance apresentar seu trabalho, algo estranho acontece: Nuno fica inexplicavelmente grudado no assento de seu carro. Com esse contratempo, ele começa a sentir na pele como é ter sua vida “embargada”, referência ao momento de embargo petrolífero de 1973.
Com a base em Saramago, um elenco reduzido e uma história um pouco mais recheada que a do conto, o diretor se saiu bem com sua proposta. Inevitavelmente, a adaptação cresceu e perdeu um pouco o ritmo já que o conto de aproximadamente 15 páginas foi transformado em um longa-metragem de 80 minutos. Além disso, é bastante diferente de “Ensaio Sobre A Cegueira” que segue a linha narrativa do escritor e a transporta para o filme. Em Ferreira, ´pode-se perceber um pouco da perda do tônus saramaguiano ao pegar a essência do absurdo e preencher lacunas deixadas de propósito pelo escritor.
No mais, é importante destacar o cuidado técnico e principalmente a fotografia, marcada por tons puxados para o marrom e o acastanhado que dialogam com a atmosfera pesada da história. Apesar do público não sair do cinema completamente envolvido, pelo menos se sentirá cativado pelo conjunto da obra e sua ideia principal.
