
Um advogado, preso político, assassinado aos 30 anos deixou para trás sua família. Irmãos, pais, esposa e um filho com apenas um ano de idade. O menino foi obrigado a crescer entre os fantasmas de um corpo nunca encontrado, portanto nunca enterrado, e as memórias ocultas de familiares cuja dor não permitia que o assunto fosse comentado. Foi em busca de seu pai que o diretor German Berger realizou o tocante Mi Vida Con Carlos ("Minha Vida Com Carlos", em tradução livre, Chile/Espanha/Alemanha, 2009), e, com isso, exibiu também um dos períodos mais obscuros da história chilena: a ditadura de Augusto Pinochet.
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Retrato de Carlos Berger |
Carlos Berger foi morto em 19 de outubro de 1973, fuzilado no deserto chileno pelo chamado "esquadrão da morte", uma divisão do exército criada por Pinochet com a finalidade exclusiva de eliminar os prisioneiros políticos mais incômodos e ocultar seus cadáveres. Diz-se que exigiu que seu capuz fosse removido para que pudesse encarar seus executores, resistência que o fez ser esquartejado e, consequentemente, nunca ter seus restos mortais encontrados.
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Carmen Berger, em entrevista à tv chilena |
German Berguer transformou todo esse trauma em um belo filme, sem rancores ou pedidos de justiça. Tentou apenas resgatar a memória do pai falecido, com sucesso. Para isso, reuniu a família, dispersa desde o assassinato, e os confrontou com a necessidade de falar sobre o assunto para que, finalmente, toda a dor fosse encarada e superada. Refez os últimos passos de seu pai, que se misturam com a história da ditadura militar chilena, considerada uma das mais terríveis já existentes.
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O general Pinochet, sentado, e sua junta militar |
Aos de memória mais fraca, lembrou quem foi Pinochet, e como uma absurda manobra administrativa o libertou da prisão, em Londres, para que se tornasse um senador vitalício, em Santiago. Mostrou também a luta do povo chileno em busca de liberdade e justiça, e como sua mãe, Carmen Berger, se tornou uma das ativistas mais importantes pelo processo de redemocratização do país.
Além de toda a bela e tocante história, o filme apresenta qualidades técnicas impressionantes. A trilha sonora está perfeitamente encaixada, sem tentar exagerar o drama familiar. A fotografia é belíssima, e a pesquisa por material de arquivo foi impecável. A edição também merece destaque, por montar todo esse material na ordem perfeita, sem sensacionalismos. A finalização fez um trabalho notável, nem sempre a utilização de diversas mídias e formatos em um mesmo filme se dá de forma tão harmoniosa. E é claro que tudo isso se deu graças à boa direção, que resistiu ao provável impulso de transformar tudo em uma simples crônica familiar.
Mi Vida Con Carlos é mais do que um documentário familiar. É mais do que um excelente filme. É uma verdadeira aula de história, e deve ser encarado com atenção por todos nós, latino americanos. O Chile não foi o único a sofrer com uma ditadura militar nessa época...
