
O Covent Garden, bairro comercial situado ao leste de Londres, foi cenário, nos anos 60, de um dos maiores musicais de todos os tempos, o memorável “My Fair Lady”. E Hitchcock, já em fim de carreira, revisita o bairro londrino bem a seu modo: uma trama de assassinatos em série, um comentário crítico sobre os costumes ingleses e, com uma elegância peculiar, uma pitada de seu anárquico humor negro. O resultado é o intenso e cativante Frenesi (Frenzy, Eua, 1972).
Um maníaco sexual assusta os cidadãos londrinos ao cometer uma série de crimes. O serial killer, com ares de Jack, o Estripador, estupra suas vítimas e, logo após, as estrangula com sua marca registrada: uma gravata. Eis que, no meio dessa trama, somos apresentados a Richard “Dick” Blaney (Jon Finch), um desajustado ex-militar que pula de empregos após o fim de seu casamento, desenvolvendo o vício do alcoolismo e, por consequência, tornando-se um homem de reações violentas.
Richard, responsabilizado pelos crimes, foge desesperado da polícia, enquanto procura uma forma de provar sua inocência, já que provas circunstanciais o apontavam como o criminoso da gravata. “Dick”, portanto, recorre a seus amigos e conhecidos para escapar do cerco cada vez mais fechado da Scotland Yard. Nada é o que parece numa trama intrincada e que, bem ao estilo Hitchcock, subverte a ordem natural dos acontecimentos do cinema clássico nos apresentando, desde o início, o verdadeiro culpado pelas mortes das moças.
E a subversão é, sem dúvida, um dos principais temas nessa obra do fim da carreira de “Hitch”. Os anos 70 trouxeram uma ousadia poucas vezes vista no cinema do diretor. A nudez constante e as cenas explícitas dos assassinatos provam a capacidade de reinvenção e adaptabilidade – marcas de um gênio; de um transgressor de regras. Outro ponto interessante é o destrinchamento dos hábitos dos ingleses – com especial aplicação do humor negro – que, aos olhos de Hitchcock, desaprovam comidas diferentes e torcem o nariz para roupas pouco “londrinas”.
Frenesi é, antes de tudo, um exemplo perfeito de que gênios, por concepção, têm a eternidade dentro de si. Pois como absorver as evoluções tecnológicas, a mudança de linguagem e a liberdade de conteúdo com maestria suficiente para revolucionar? Hitchcock, sim, mais uma vez revoluciona. Faz planos com gruas panorâmicas, encontra ângulos inusitados e produz seu melhor cinema no ocaso de sua carreira. O cinema agradece, “Hitch”. Eternamente.