domingo, 15 de agosto de 2010

"Puisque je doute, je pense; puisque je pense, j'existe." [Festival de Gramado]


"Quem enfiou a luz no cu do vagalume?" É com essa pergunta, exibida em letras cursivas brancas sobre o fundo preto da tela, que começa o estranhíssimo filme Ex Isto, que encerrou o Festival de Gramado, sendo exibido fora de competição. Dirigido por Cao Guimarães, foi realizado como uma proposta do Instituto Itaú Cultural para que ele adaptasse o livro "Catatau", de Paulo Leminski. No elenco, o premiadíssimo João Miguel. E só ele.


A segunda cartela exibida no filme, mostra a pergunta que, de fato, livro de filme se propõe a responder: "E se René Descartes tivesse vindo para o Brasil com Maurício de Nassau?". Pois é.


João Miguel interpreta um Descartes atordoado com a diversidade de nosso país, escrevendo loucamente seus estudos sobre nossa flora e fauna. Em "fauna", inclua as pessoas. Em sua viagem pelas ervas da mata brasileira, mergulha em um devaneio onírico que o transporta a alucinações de um Brasil moderno. Mais estranho do que imaginar o filósofo francês em terras tupiniquins na companhia do conquistador holandês é vê-lo caminhando pela Recife de hoje, provando iguarias e se surpreendendo com aviões, ônibus, peixarias e até mesmo coma  feira livre, onde nina um jerimum como se fosse um bebê.


Se Leminski, sozinho, já é estranho, imagine seu texto sendo combinado com o "Discurso do Método", de Descartes, para ser a narração de um filme experimental do também estranho Cao Guimarães. É claro que deu certo. Alguns trechos seriam extremamente verossímeis se não fossem tão absurdos. A fotografia, com mais da metade do filme ligeiramente fora de foco, e a edição ágil nos transportam através dessa experiência alucinógena, orquestrada com maestria. E, encerrando o filme, uma bela canção de Arnaldo Antunes. Afinal, de quem mais seria?


Não sou exatamente um grande fã de cinema experimental, mas respeito as tentativas, principalmente as que dão certo. Ex Isto não é um filme para o grande público, e provavelmente não vai ganhar espaço no mercado, mas quem tiver a oportunidade de assistí-lo, e o fizer com a cabeça aberta, vai dar umas boas gargalhadas. Afinal, como eu já escrevi aqui, fazer cinema de vanguarda não é pra qualquer um.

E um PS sobre o título: é provavelmente uma das frases mais famosas da História, certamente a mais repetida do "Discurso do Método", de René Descartes. Escrito originalmente em francês, em 1637, o "Discours de La Méthode" foi traduzido para o latim somente anos mais tarde. Foi da tradução latina que saiu a forma mais famosa da frase: dubito, ergo cogito, ergo sum. Duvido, logo penso, logo existo.


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