domingo, 22 de agosto de 2010

O Curioso Caso das Chaves [Especial Alfred Hitchcock]


Unidade de ação, dramaturgicamente, pode ser definida como uma concentração dos eventos cênicos em um único e representativo ambiente. Hitchcock, ciente da importância de traduzir uma história a partir de seu cenário (repetiu a fórmula nos clássicos Janela Indiscreta e Festim Diabólico), nos brinda com uma espetacular dissecação da arte do crime em Disque M Para Matar (Dial M For Murder, Eua, 1954).

Tony Wendice, ex-tenista, aqui interpretado pelo ótimo e oscarizado Ray Milland, descobre-se traído e bola um plano fantástico do crime perfeito para assassinar sua esposa, Margot – responsabilidade da estonteante e ainda pouco conhecida Grace Kelly. O esquema de Tony, entretanto, não sai como o previsto, possibilitando, assim, a improvisação de outro (e também genial) plano alternativo.


Disque M Para Matar é, por concepção, um filme síntese do cinema de Hitchcock. Ainda que não figure nas listas dos principais filmes do diretor há, aqui, todos (ou quase todos) elementos que compuseram e formataram o estilo hitchcockiano. O clima de tensão constante; a ironia; o anti-heroi; as tomadas psicológicas e, sobretudo, um trabalho engenhoso de roteiro – possibilitando, assim, uma das mais geniais tramas da história do cinema de suspense.


Escrito pelo autor inglês Frederick Knott e adaptado de um texto teatral do mesmo escritor (a peça foi um sucesso na Broadway), o roteiro de Disque M... é, por si só, uma aula de dramaturgia. A unidade de ação dá-se na medida em que acompanhamos quase todos os acontecimentos do filme dentro do apartamento do casal Wendice. E como não poderia ser diferente, a genialidade de Hitchcock na leitura e condução de uma trama engenhosa, cheia de reviravoltas e dotada de um força narrativa tremenda produz uma pérola cinematográfica; mais: uma aula de cinema.


Os conceitos utilizados para a teoria e desmanche do crime perfeito, naturalmente, mostram-se datadas hoje, mais de cinquenta anos depois. Os métodos policiais, com o desenvolvimento tecnológico, poriam abaixo o plano de Wendice já no primeiro ato. Mas fica, felizmente, o sabor da sagacidade. O importante aqui, como Hitchcock bem devia saber, não consiste no método mas, sim, na capacidade de resolver questões através da dedução e dos insights dos personagens que, nesse caso, roubaram, por um breve momento, a genialidade do senhor rechonchudo por detrás das câmeras.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...