
Karim Aïnouz volta a explorar âmago do ser humano em seu novo longa “O Abismo Prateado” (Brasil, 2011), uma homenagem e releitura da canção “Olhos nos olhos”, de Chico Buarque.
A história nos faz acompanhar Violeta (Alessandra Negrini), uma dentista que aos quarenta anos, no auge do seu casamento, recebe uma mensagem desconcertante de seu marido (Otto Jr.) no celular. Deixando seu filho adolescente sozinho no novo apartamento da família, em Copacabana, ela sai pela madrugada se debatendo com a cidade e reconstruindo seu próprio mundo.
Passando por algumas falhas bem rasas de roteiro, observamos a protagonista mergulhar fundo no abismo em que se viu derrapar, iluminada por uma noite que se desenvolve praticamente onírica. A comparação com a música não deixa de ser uma bela referência, mas acaba como um peso sobre o filme. A interpretação e estruturação do argumento no longa não corresponde literalmente à carta descrita na canção, mas provoca seus tremores de forma inteligente e sensorial. Já inserção óbvia da música como trilha e cantada pelas personagens durante o filme faz perder alguma graça e dá a entender que a película procura também se sustentar com uma assinatura da obra que a precede, mesmo sem ter necessidade.
A produção tem algo de realista, de interação com o cotidiano sacal, mesmo sendo aplicada de forma poética, e aproveita bem a cidade do Rio de Janeiro, que surge bem de leve como um cartão postal. Seguindo de perto os passos de Violeta, o filme aposta suas fichas na atuação de Alessandra, que não decepciona em momento algum. Destaque também para o trabalho de Otto, que mesmo tendo breve aparição, causa um impacto perfeito. Infelizmente, o incessante abuso do desfoco incomoda. No mais, o filme comove e consegue penetrar bem no contraste de fragilidade e força da mulher, de modo quase tão penetrante quanto na música.
