sábado, 27 de outubro de 2012

Olá…

Texto escrito por JOSÉ EDUARDO ZEPKA como “Colunista Convidado” para a coluna EuroCine.
O titular da coluna, D.M. RANGEL, estará de volta em dezembro.

Dois estranhos, um homem (Jan Machulski) e uma mulher (Irena Laskowska), se encontram na praia e passam o dia juntos. Ela usufrui seu ultimo dia de férias, está por tanto no fim de algo, irremediavelmente prestes a retornar. Ele, ao contrário, quer iniciar, desvencilhando-se de um a priori que rege sua companheira.


Em Último Dia de Verão ("Ostatni dzien lata", Polônia, 1958) Tadeusz Konwicki elimina todos os excessos à narrativa, seu estilo severo faz transparecer a mensagem em estado puro e de maneira livre. É como se o filme se apropriasse de uma situação micro para falar de algo pertencente ao macro-humano. Afinal é apenas um encontro casual entre desconhecidos numa praia deserta sem constrangimentos maiores, onde ambos se apaixonam. A problemática é incorporada a partir do momento em que ele deseja dar prosseguimento e seguir em frente coletivamente e ela encerrar no final do dia e voltar sozinha. A comunicação entre ambos vai ter ares quase de ensaio, mas sem deixar o dialogo rebuscado, de modo a tocar em questões universais. Dessa forma, é possível deslocar a especificidade do contexto em que a obra foi concebida, o que permite dialogar com outras épocas e lugares, ressignificando-a.


Ambos os personagens tem suas personalidades expostas e destrinchadas pela interação ao longo do dia, isso em paralelo tanto pelo espectador como pela diegese. Somos “impressionados” por suas distintas naturezas ao mesmo tempo em que os próprios personagens tomam conhecimento um do outro. Não é dada nenhuma prévia do universo de cada um, nem os nomes, o que remete a ideia de ambiente neutro ou zerado; algo que será preenchido pelo dialogo e algumas lembranças trazidas à tona. Baseado nisso, será instalada a tensão, pois é o futuro e suas respectivas configurações que estão em jogo. O filme afunila as opções ao tomá-las como referências coladas aos próprios personagens, de modo a lançar respostas para o seguinte questionamento: “voltemo-nos à memória e ao passado para acertas contas com esse; ou construímos tudo de novo?”. Estabelece-se assim uma linha tênue entre as experiências traumáticas de um passado recente e a sabedoria de levar isso a frente. Superar sem perder o respeito e não ignorar de maneira cética o passado.


A memória é uma questão para ambos os personagens, ligada principalmente aos traumas, mas é encarada de forma diferente por cada um. O rapaz procura uma saída, possui “fluidez” em seu comportamento com relação ao destino – tenta não ficar preso a forças externas que decidam por ele a priori. Dessa forma, equivale analogamente o mar, disposto no “horizonte”, sem chegada prévia determinada. Diferente dele, ela é destinada a “retornar”, ou seja, algo a obriga a voltar tolhendo-a de novas perspectivas. Seu comportamento seria então de natureza “sólida” ao constranger, por uma força maior, sua liberdade de escolha. Equivale analogamente ao continente por se voltar ao passado; algo externo dita sua vida, de modo a tornar seu destino inalterável.


Em certa altura da narrativa ela confessa que a pessoa que ama não voltou da guerra. O “ama” é no tempo presente, pois ela não aceita o fato como algo acabado ou resolvido (morto). Essa seria uma trava impeditiva de fazê-la seguir adiante. Seus fantasmas manifestam-se nos aviões que sobrevoam a praia recordando-a de supostos compromissos que tinha no passado, de modo a não assimilar a perda. Isso vai pautar sua ressignificação.
Nota: A mulher alude que a pessoa amada foi para Inglaterra combater. É sabido que a força aérea polonesa, ligada ao governo inglês e ao provisório polonês lá instalado, foi fundamental em inúmeras batalhas, se destacando no abatimento de aviões alemães. O que transformou os pilotos poloneses em símbolo de aviação e combate. Para quem se interessar, existe uma animação curta que trata livremente do assunto, se chama “Paths of Hate” e chegou a ganhar o Anima Mundi 2011.
Ele, ao contrário, se deixa pautar pela emoção, o que lhe restitui uma alegria e um desapego formal. Seu interesse é voltado em estabelecer uma relação, de modo a propor algo novo; para isso, o passado não pode castra ou acomodar o presente. Ele também possui suas dores do passado, mas as feridas já cicatrizaram. A falta que sente se reverte na tentativa de achar um complemento, cabe arriscar-se até o limite para chegar ao seu objetivo. Essa dualidade vai permear o dialogo de ambos com um conflito de egos - ela atada a segurança do passado e ele na busca incerta do futuro. Cabe à dialética estabelecida encontrar um caminho, mas esse pode vir tarde demais.
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